segunda-feira, 22 de junho de 2009

Ai, eles, que fazem comigo.

O samba é o meu amante, e nele eu mato, morro.
Ele é o meu amor sincero, o meu pecado, - e não há nada que possa contra um gosto assim.
Eu quero, seu moço, é que o mundo acabe em samba!

sábado, 20 de junho de 2009

Platão

O mito da caverna:
Os homens estariam acorrentados numa caverna, virados para a parede, observando as sombras. O mundo como se conhece não seria o mundo "real", completo, mas apenas um esboço dele, que apreendemos através dos sentidos.
Um homem poderia se libertar através da educação, do auto conhecimento. Aquele que visse o mundo real lá fora deveria então voltar à caverna e contar aos outros. Alguns ririam, outros desejariam agredi-lo, e com sorte alguns o seguiriam. Os filósofos não enxergam por serem filósofos, mas são filósofos porque enxergam.
Aos homens de outro caberia a tarefa de fazer as leis.

O amor platônico:
Muito ao contrário do significado adotado, não corresponde ao amor que não se realiza. O amor platônico é o amor perfeito, que assume todos os seus aspectos e engloba a imperfeição como parte de sua natureza.

terça-feira, 16 de junho de 2009

O gosto do seu cigarro ainda está na minha boca. Eu não sei o que você está fazendo mas eu queria te pedir pra ficar mais um dia, tenho medo de que você saia pela porta e fique na rua para sempre, mas você não vai vir porque eu não vou ligar. O que eu diria?! Pombas, devia dizer qualquer coisa. Não digo, trago trago de novo, este é o meu cigarro e não o seu, e o seu gosto não é esse. Eu tô sozinha e faz um frio do caramba aqui. Cansei das músicas que tocavam sem parar mas não sei se cansei de você. Do ar blazé, das camisas largas e do jeito despreocupado de passar a mão no cabelo. Você debocha de tudo apesar de ter essa opinião barata e esses gostos underground, eu vou dizer mas não precisa me ouvir, digo na verdade é pra mim. É que você sabe que eu sou assim e faz de maldade, diz que eu sou previsível e não perdoa. Eu queria mesmo era alguém não que me tirasse de órbita, mas alguém que fizesse de mim o melhor que dá pra ser.
Paz, eu quero paz, menino. Eu tô com o coração afogado e fumando um cigarro atrás do outro, são cinco e quarenta da manhã e eu tô com uma vontade louca de descer na rua lá embaixo nessa claridade cinzenta, eu não sei bem como mas preciso desesperadamente sentir e até o ar gelado desce cantando no meu coração apertado, tudo tão calmamente frio e só eu nessa angústia berrante, tem trabalho acumulado na mesinha o telefone eu atirei longe e não passa, faz dias que eu não vou nem na padaria e eu tô me sentindo tão sozinha que quase bato aqui no 418 porque ele é simpático mas não saberia me ouvir, era você mas não dá, saía daqui e a essa hora não tem ninguém na rua, andar e não precisava chegar, não chegar nunca, pegar o carro e não parar nunca mais, como nos filmes, mas não era isso que eu queria pra mim.

domingo, 14 de junho de 2009

Há sempre algo de ausente que me atormenta.

Antes eu tinha absoluta certeza. E tudo era mais fácil. Hoje, que sei que não sei, não enxergo um palmo na frente do nariz.


Ei mãe, eu tenho uma guitarra elétrica
Durante muito tempo isso era só o que eu queria ter
Mas ei, mãe, por mais que a gente cresça
há sempre alguma coisa que a gente não consegue entender

segunda-feira, 8 de junho de 2009

E é bom, que eu me lembre.

Sem querer lembrei de coisas palpáveis que a gente esquece, mas quando lembra sente até o compasso do corpo descendo a rua. Hoje faz frio, mas me lembrei mesmo assim do que me dissolve em açúcar puro. Fiquei grata pela sensação, me lembrei sem querer da amiga com quem escrevia, (aquelas coisas horríveis!) e depois de um dia inteiro juntas a gente fazia desenhos bordados escrevendo mais mil bobagens. Chegava e me sentava grata, esperando as gracinhas. Às vezes dava mil voltas fingindo que não tinha as nossas bobagens pra ler. E respondia com mais metros e metros de exclamações e idéias estapafúrdias, no vocabulário que nos pertencia. Lembrei dos livros emprestados. Dos dias que não tínhamos pressa em nada. Confabulávamos sem culpa nesse paralelismo adorável. Fazia sempre um sol de domingo na nossa rua.
Tinha uma carta nas mãos e um dicionário. Era uma música francesa numa letra redonda, que já descia pela minha garganta, tomava os meus pulmões e assaltava o coração. A essa altura a tradução não importava em nada; valia era a letra em francês, o quarto escuro, escondida, com um dicionário enorme. E ria, nervosa. Porque alguém escrevera aquela carta antes, pra ela.
Fazia um frio enregelante, mas não fazia mal. Voltava para casa sozinha depois de deixar o seu braço, o seu pedaço no caminho. Era bom voltar sozinha, sozinha na rua com as casinhas amigáveis. E desciam desdenhando as grandes questões do mundo e dizendo tudo o que não fazia sentido, porque não era necessário. Ele caminhava de braço dado com ela, parte irrevogável e sarcástica do seu coração desorientado e bobo.
Era naquela época em que a manhã nascia sem preguiça, mas sem susto. Era quarta feira de manhã (ou seria terça?) e estavam onde jamais se imaginaria que estivessem. Ah! Rodavam a rua como se não houvesse nada, como se fosse deles. Não olhavam pros lados. Ele entrou na livraria e deu pra ela o livro que ela queria. Tinha todos os dias vagos de verão para lê-lo sem pressa, e só de pensar nisso dava uma sensação boa. Saiu com ele apertado junto ao peito e rindo, riu o caminho todo de volta pra casa. Às vezes disfarçava abaixando a cabeça e respirando fundo, pra não constranger os outros. E mesmo que o livro não fosse maravilhoso, ficou sendo ele.
As pessoas tocavam alto, era verão. Era a ponte do Sena. Ficou ali, olhando, deixando todas as notas seduzirem seus pensamentos pra sempre. Abençoou os namorados que passavam pombos, era Paris. Queria ser a encarregada das histórias deles. Queria que se sentassem com ela e contassem tudo com amor, era Paris e fazia um sol lindo, e a banda tocava como se fosse há muito tempo atrás.

domingo, 7 de junho de 2009

Março

Mas faça o que você tem que fazer, menina, não tenha medo. Deus quer é isso; o reino dos céus é daqueles que se despem e abrem os braços, meu irmão costumava dizer e mamãe não gostava que dissesse assim, mas eu já não lhe disse que meu irmão sempre teve talento para o ordenamento? Mamãe não gostava das inclinações moderninhas deles e das interpretações sexuais, mas ele tinha a naturalidade dos escolhidos por Deus, e nem precisava estender a mão e falar nada pra tudo ficar em ordem, sua risada e sua calma já instalavam a paz das coisas boas. As garotas gostavam dele, tinha um jeito meio aéreo mas era bom, era um homem bom. Já te contei sobre o acidente, não foi? Mamãe rezava novena pela paz do meu irmão e já engatava uma reza pelo garoto do outro carro, esqueci logo o nome dele, só conseguia pensar nas mãos pesadas e sem jeito que tinham dirigido. Era um sujeitinho arrogante de maconha até o talo e cara de reggueiro, eu só não enfiei a mão nele por causa da mãe. Ele não estava bem, eu disse a pretexto de interromper o guarda, ela não precisava saber que ele estava drogado, o coração era severo mas também era bom, até a nossa empregada que era meio ranzinza vivia falando: coração bom, o da dona Marluce, e engolia as reclamações cotidianas sobre o sal da carne, mas não sem resmungar consigo mesma um pouco. Ela é muito católica, sabe, Letícia? Até hoje passa horas sentada naquela cadeira rezando baixinho, quando está aflita move os lábios com força e eu posso até ver o céu muito claro tragando os olhos dela, tal a fixação com que ela olha. Ela não merecia que lhe dissessem que o homem que matou o seu filho tinha fumado maconha.
Sabe o que doeu mesmo, Letícia? Ela se esqueceu de rezar. Muitas vezes pegava assim num movimento bambo o terço, mas já não se reconheciam mais, os dedos que percorriam o terço e as pérolas pequenas. Não havia intimidade, ela nem chamou por Deus nenhuma vez, como quando ela precisava muito dele, quando rezava com fervor. Pegava repetidas vezes e logo esquecia a reza e ficava com aquele olhar parado muito tempo. Depois percorria os olhos por tudo, e nunca parava em lugar nenhum, olhava olhava olhava e não via. Dava uma tristeza, minha menina. O corpinho miúdo ficou só um fiapo pálido naquela penumbra da capela, parecia uma ovelhinha em sacrifício. Resignada, branca, o corpo curvado de dor e aceitação. Quis tirá-la de lá mas não consegui. Acho que ela nunca soube o que o padre disse aquele dia, Deus a havia traído, eu lia nos olhos dela. Mas não tinha raiva. Abaixava a cabeça e eu posso jurar que via aquele brilho de lâmina acima do seu pescoço. Eu sempre achei que a morte em si era boa, mas a lâmina sem o golpe era o inferno. A expectativa que não se consumava, o coração doía demais e teimava em não morrer, não morrer. Mamãe teve lá os seus exageros, mas é boa, não sei porque calhou castigá-la. Resignada, depois que conseguiu sair do quarto ia à capela perto de casa para pedir perdão, suspeito. Porque ela ficou deprimida, Lê, até o médico ficou com medo, ela já não era uma moça. E ela mal falava, nem pra reclamar da comida falava com a empregada. A maior parte do tempo parecia não se dar conta da nossa presença, e andava pra lá e pra cá, sem saber o que estava fazendo ou o que precisava fazer. Bordou mantas compridíssimas que nunca acabavam, mas acho que não se distraía com elas senão se concentrava mais e mais. Me disse uma vez com a voz grave que ia rezar pela alma do irmão e pela paz do garoto, mas suspeito que ela ia pedir perdão por ter sentido que Deus a traíra. Eu podia sentir cada fagulha de fé e doutrina queimando ferozmente a heresia que nem ousava pronunciar, a heresia que ousara sentir. Era preciso se purificar, então ela passava dias inteiros enfiada na capela, falando com o padre, rezando no quarto. E pra tudo que eu digo ela costuma dizer, Deus sabe o que faz. E sua voz ficou meio amarga, as pérolas seguras convictamente por entre os dedos magros. Os olhos azuis ficaram para sempre como duas pedras no fundo da água, baças. Na tevê um homem sem expressão continua encenando sua fé, repetindo incessantemente o terço, mas mamãe acredita nele, e pede perdão, e pede pelo seu filho. O filho dela era bom, Lê. Ela jurava que ele tinha vocação pra padre mas se não quisesse também não tinha importância, teria filhos com os mesmos olhos grandes e claros, que falariam com a mesma calma e seriam já duas ou três risadas que podiam tudo contra tudo. Sua casa seria assim o templo dos deuses nos domingos em que fôssemos visitá-las, mas havia um homem drogado no outro carro e a casa ficou pra sempre meio opaca, cansada, velha; enquanto ela reza, reza como se pudesse trazer o seu menino de volta, e como se fosse ontem, e como se fosse hoje e ela pudesse parar a fumação do cara arrogante.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Você, que não pertence. (nem a aqui, nem a ninguém)

Estou te pedindo, menina. Olha pra frente e deixa, abre as asas, sente o vento, deixa. Se você for pra sempre assim como é agora, o mundo todo será seu, eu prometo. Não precisa se preocupar. Faça o que tiver de fazer; não precisa chegar a lugar nenhum, han?! Só faça o caminho. Sinta tudo nesse frenesi de quem ama demais, preste atenção na delicadeza de cada minuto, sinta, sinta tudo o que puder. Ainda se for raiva, sinta-a com sinceridade, mas deixe passar. E outra, esqueça as análises científicas, a menos que você seja louca por uma delas, e se for, conheça-a com o coração. Com o coração, menina, e não só com as nomenclaturas. Não se preocupe com o que eles dizem, nem comigo. Mesmo que você não saiba exatamente o que fazer, faça alguma coisa ou não faça nada. Por que de lembrança você leva mesmo é o gosto das coisas. Seja sábia o suficiente para ser feliz e tola o suficiente para não se importar demais com a coisa alguma. Eu te peço que cante, que grite, deixe-se ao propósito simples e primário a que veio. Seja menina, como a vejo agora, e é bom mudar mas também é bom continuar sendo a mesma. Deixe-se apaixonar e fique de luto quando virarem a esquina, quando você também errar, mas volte a se apaixonar de novo. Não deixe nada te corromper, menina, porque você brilha como o sol.