terça-feira, 29 de março de 2011

No fundo, o amor deve servir pra alguma coisa.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Senta aqui, pai, olha, eu sei que os meus cabelos estão mais claros e que você anda sentindo a minha falta porque já faz umas semanas que nós só nos falamos um pouco no telefone; e eu sinto sua falta, também; sei que estão quebrando o apartamento do lado e aí sim é que a mamãe não pára de reclamar porque não consegue dormir nem fazer mais nada, tentou até me ligar essa semana pra ajuizar uma ação qualquer pra conter esses mal educados. Também vi o último escândalo do Senado e ouvi falar no nome daquele cara que eu insisto em votar, aquele com cara de direitos humanos e oclinhos pequeno, mas não pude deixar de reparar na sua mão frouxa na xícara de café, esse café que você não larga de jeito nenhum, nem nessa gordurinha que vai acumulando e subindo as taxas de tudo e entristecendo a gente. Pergunto se você tem feito o pilates todos os dias, você diz que sim mas a mãe conta que você não vai e que tem dias em que as dores ficam piores, mas você continua perguntando de mim e abanando a cabeça e fazendo troça do que eu digo, perguntando se aqueles meninos estão me enlouquecendo ou se eu controlo a situação como boa mandona de sempre. Sabe, pai, eu dizia mais e hoje não digo mas eles tem destruído os meus sonhos, rasgado as minhas crenças, e eles estudam, eu não entendo, pai, não entendo como pessoas tão instruídas podem ser tão mesquinhas, se equivocar dessa maneira, se deixar levar desse jeito e virar esse enorme showbis, não foi pra isso que eu vim aqui. Não foi isso que aqueles livros me ensinaram, me bateram, me arruinaram mas me fizeram chegar aqui, e não, eu não estou falando dos meninos. Pai, eu tenho errado o caminho ainda porque às vezes me confundo, acho até que é comigo, esqueço o norte, mas você vai dizendo essas coisas bobas e esquemáticas mas de alguma forma eu acabo pegando aquele fio da meada e enxergando o todo de novo. Sempre foi assim. Eles tem estraçalhado as minhas crenças, pai. Eu tô na fogueira mas com fé ainda, entende? O que eu acredito é o que eu sou. Eu pertenço a isso. Queria te dizer, que eles têm rasgado os meus livros. Rabiscado as minhas paredes. Quebrado as minhas paredes, e limites e paredes é bom, sabe, pai, não dá pra ser esse oba-oba, esse carnaval. Quem disse essas coisas era um imbecil mesmo, que não se arrepende de nada, que não pode ter fronteiras, tudo bobagem, coisa de quem não se ocupa e deixa-se ao ofício do diabo. Queria olhar pra você assim e segurar essa sua mão boa e quente e dizer que não tem problema, que nada disso tem problema, porque valeu tudo a pena e eu estou aqui e você também e eu tenho fé ainda, meu pai, como você me ensinou, vou passar por tudo porque você vai desfiando tudo nesse cuidado seu e me investigando o coração e me conduzindo, e eu me lembro de tudo, de tudo, e sinto essas verdades boas enfiadas dentro da alma. Deixo que se espalhem e me levem de novo, reconheço o caminho, reconheço o percurso feito e a rota e tudo fica em paz, você não acha que o mundo está girando no eixo exato agora mesmo que você me dá esse olhar antigo e paterno e ouve e faz um carinho no meu cabelo dizendo que eu preciso de uma xícara de café?

sábado, 19 de março de 2011

Disse que me encontraria no meu apartamento na quinta feira, chegou sem cerimônia e despiu o casaco, a bolsa pequena, os sapatos pretos lustrosos e altos; deixou a meia azul escura que prendia no alto da coxa, que mais tarde eu tiraria para ter as coxas muito brancas inteiramente nuas, eu te amo, dizia muitas vezes emendando com frases sem nexo entrecortadas, ela se limitava a não dizer nada, "não quero mentir pra você"e se deixava beijar, disse que me reservaria o hotel no sábado mas eu ainda não era disso, reservei eu mesmo com o dinheiro que não tinha, comprei presentes com o dinheiro que não teria depois, ela queria mais, mais, mais, queria tudo mas sem dizer, filha do dono de tudo, mulher do dono do resto, amante do amigo do marido. Uma cadela. De coxas brancas e aquele sorriso, aquele jeitinho inconfundível de andar e aquele sotaque saído de um lugar qualquer de sangue quente. Os olhos não deixavam saber que tinham saído do subúrbio e agora vestia roupas caras, fazia cursos de história da arte para se ocupar. Oferecia recepções, comprava cavalos, ganhava presente de amantes. Nunca quis casar comigo, por mais que eu soubesse que só comigo ela não era infeliz. Sumia de tempos em tempos e aparecia nova, inglesa, americana, italiana, o diabo a quatro, com um sotaque diferente e um marido novo. Enchia o rabo de dinheiro. Eu sempre a encontrava mais bonita, mas os olhos...os olhos ficavam mais obtusos.



"Travessuras da menina má" mexe com os brios da gente. Se o Ricardito não tivesse esse amor louco pela peruanita, o mundo estaria fora do lugar.