terça-feira, 30 de agosto de 2011

Um ódio quente e passivo das mulheres que já tiveram o seu favor. Uma vingança contra as que viriam, porque digo que você não fica. Digo com o coração pesado, desde já me sentindo uma sozinha, uma desgraçada. Odeio essa vulnerabilidade que querer alguém deixa na gente. Você me fez engoli-la, remédio amargo. Digo e se digo dirão que eu sou fria, frígida, mal criada, o escambau. Mas olhando assim dentro dos seus olhos e das suas palavras soltas e superficiais eu fico logo sabendo que você não fica. Que vai acabar sendo o melhor dos meus amores, mas não fica. E isso me enegrece, numa concha preta que de tão preta some no fundo. E brilha, brilha de dor.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Reconhecia que desde que o coração tivera começado a bater ficara assim sempre, o assobio ocasional no peito. "Está aí um que não fará grande carreira no mundo, as emoções o dominam". Aceito. É destino, a gente aceita sem contestar. Mas ficara pior, e ficaria ainda, marcado por todos os amores que o ultrapassavam e içavam e o destruíam. Passariam todos. E um dia o coração pararia assim, no mesmo sopro. Sem salvação. Respiraria e nessa dorzinha pontiaguda e aberta, seria tragado inteiro, porque Deus nos fez instrumento.



O mundo todo rodando e só eu aqui. Só eu dentro do buraco.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Ela chegou assim por trás, pedindo abraço, com cara de choro. Fazia um sol de rachar o crânio da gente e ela com essas mangas compridas, acha que esta na Europa ainda, a esnobe. A coitada.
- Amanda. Amanda, vem cá.
- O que é que foi, menina?
- Não sei, não sei - repetiu baixinho, remexendo os dedos uns dentro dos outros. O que é que eu faço, Amanda, me diz!
- Você acha que eu tenho quantos anos, se me visse sem me conhecer?
- Vinte, você tem essa carinha de criança assustada.
Tenho treze, quis responder. O coração doído. Ele voltou, Amanda, voltou e quer me assombrar. Continua passando a mão pelo meu cabelo, me chamando de boneca e rindo largo. Foi pros cafundó do judas e continua rindo desse jeito, que inferno. A gente acha que muda mas não muda.
- Você vai descer hoje? Vai comigo, hein?
- Se você ficar com essa carinha daqui a pouco meia faculdade vai se oferecer pra ir contigo onde você quiser, parece um cachorrinho amedrontado.
Patético, deu uns tapinhas no rosto e se aprumou.
- O felipe tava aqui me dizendo da aula de teoria da justiça. Não vai andar, viu. Não faz o menor sentido isso agora.
- Sei.
- Mas você queria pra pesquisa, né?
- É, mas pode não ser. Não sei.
A Amanda repuxou suas mangas, segurou uma mão na sua e apertou sua bochecha com carinho - está baratinada a dona organizada, hein? É paixãozinha isso? Ficou apaixonada pelo noivo, hum? Já não era sem tempo.
- Não, estou apaixonada por você, dadá, por você!
- Não me agarre assim que você queima meu filme. Cheio de gato aqui, ó.
- São 9 e 15 da manhã, dá um tempo.
Puxaria um cigarro agora se pudesse, mas nem pra isso servia, nem pra puxar a porra do cigarro. Antes de colocá-la no cesto da cegonha os anjos devem ter cometido a delicadeza de fazê-la assim, trouxinha. Toda apaixonada e toda trouxinha, incapaz dos vícios. De alguns, talvez. Porque é que não viciava em trabalho, em livro, em coisa rentável, meu Deus! Mas não. Os óculos escorregavam do nariz, um sol de rachar e aquele frio bobo, tinha é que ser assim, anêmica, adolescente. Merecia uma porrada na cara pra quebrar aquela expressão idiota e os óculos, de cara. Pôr uma lente e sair por aí chamando os outros de boneca também, fumando um cigarro atrás do outro. Boneca é a puta que te pariu, seu desgraçado. Eu chorei quando você disse que não voltava ainda...e você me volta com a mesma cara, meu Pai, me socorre, santo tem que servir pra isso também, não tem? Tinha a vela de Santo Antonio ainda, que não tinha feito o pedido, faria agora, me deixa me livrar dos carmas e me apaixonar pelo meu curso, meu santinho, seria plena então, seria inteira e boa e feliz. Maldade dizer que não estava feliz, até sacrilégio. Um vestido branco longuíssimo e um anel dourado no dedo, pronto, pronto, aí podia ser qualquer coisa. Mundinho machista, romancezinho aguado. Carma do diabo.
- Me dá o cigarro, Amanda.

domingo, 7 de agosto de 2011

Então ele levou outra mulher? Sim, tinha levado, porque não levara A. a lugar nenhum. Ela sempre estava lá; ele, atrás. Então tentava se desvencilhar, coitado, pensávamos eu e a Loreninha, pobrezinho! Porque ele continuaria sendo dela, os olhos escravos. O corpo todo preso, o coração todo dela. Ela revolvia, remexia, ria, ria muito e tocava levemente seu braço, ele todo inteiro, absorvido, içado. Ela passava a mão pelo cabelo, fazia troça, contava frivolidade e ria, era só riso, ele todo a envolvia sem querer, sem poder. Via-a sentada quieta no banquinho mas envolta por ele ainda, por mais que ele estivesse a quilômetros e falasse sobre o que quer que fosse. Sobre o escândalo da faculdade. Sobre astronomia. Sobre a noite anterior. Podia ir para o Japão e estaria assim ainda, ligado. Era ela ainda, era ela sempre. E isso é bonito, sabe, Loreninha? Uma doação assim sem precedentes.
- Até tem tentado, hein?!
Ela pousou a xícara, dispersa - como se ele pudesse... - Rodou o dedo suavemente pela borda do pires, tinha um filetinho dourado que já queria desbotar por causa do tempo, a Loreninha é toda de delicadezas e aguada assim. O que também não enganava, porque no fundo deve ser uma paixão meio feroz, cheia de detalhes e minúcias, que é o que dói. É o que nos dói, no final de tudo, eu sei que bem aí no fundo você está arranhada mas com fé ainda, até inchada e brilhante, esse amor por tudo que não te larga. - Você acha que eu devia ter comprado a cortina de florzinhas azuis? Combinava mais com a cozinha...mas achei tão bonito esse amarelo desmaiado.
Eu sei, eu entendo, Loreninha, entendo tudo. Usava uns vestidos assim um pouco atemporais e parecia ela também toda desmaiada, essas paixonites bobas. Fresca e boba, a Loreninha. A. não: A. parecia um animal, preso num corpo que não lhe cabia. Ela inteira reluzia, fêmea, exagerada. Até quieta se podia pressentir a pulsação até dentro dos olhos, uns olhos enormes e inquietos. Ele lhe falava assim e mesmo distante era de uma paixão velada que mesmo vocêvaibeberoque parecia uma poesia secreta que ele desfiava baixinho perto do ouvido dela enquanto acariciava o seu cabelo, eu te amo, A., eu te amo, dizia inteiro, sem poder se conter. Nós aqui fingíamos não ver e falávamos sobre os colegas, o jornal e o tempo, mas estávamos todos assustados e admirados. Eles se furtavam um do outro, numa dança engraçada, cheia de rodopios e pausas. Se enlaçavam assim: ela séria, medrosa, que de vez em quando se esquecia e ria e brilhava daquele jeito. Ele sem lugar, caçando esconderijo, mas acabava sempre ali, rondando-a, como se envolta do sol.