domingo, 7 de agosto de 2011

Então ele levou outra mulher? Sim, tinha levado, porque não levara A. a lugar nenhum. Ela sempre estava lá; ele, atrás. Então tentava se desvencilhar, coitado, pensávamos eu e a Loreninha, pobrezinho! Porque ele continuaria sendo dela, os olhos escravos. O corpo todo preso, o coração todo dela. Ela revolvia, remexia, ria, ria muito e tocava levemente seu braço, ele todo inteiro, absorvido, içado. Ela passava a mão pelo cabelo, fazia troça, contava frivolidade e ria, era só riso, ele todo a envolvia sem querer, sem poder. Via-a sentada quieta no banquinho mas envolta por ele ainda, por mais que ele estivesse a quilômetros e falasse sobre o que quer que fosse. Sobre o escândalo da faculdade. Sobre astronomia. Sobre a noite anterior. Podia ir para o Japão e estaria assim ainda, ligado. Era ela ainda, era ela sempre. E isso é bonito, sabe, Loreninha? Uma doação assim sem precedentes.
- Até tem tentado, hein?!
Ela pousou a xícara, dispersa - como se ele pudesse... - Rodou o dedo suavemente pela borda do pires, tinha um filetinho dourado que já queria desbotar por causa do tempo, a Loreninha é toda de delicadezas e aguada assim. O que também não enganava, porque no fundo deve ser uma paixão meio feroz, cheia de detalhes e minúcias, que é o que dói. É o que nos dói, no final de tudo, eu sei que bem aí no fundo você está arranhada mas com fé ainda, até inchada e brilhante, esse amor por tudo que não te larga. - Você acha que eu devia ter comprado a cortina de florzinhas azuis? Combinava mais com a cozinha...mas achei tão bonito esse amarelo desmaiado.
Eu sei, eu entendo, Loreninha, entendo tudo. Usava uns vestidos assim um pouco atemporais e parecia ela também toda desmaiada, essas paixonites bobas. Fresca e boba, a Loreninha. A. não: A. parecia um animal, preso num corpo que não lhe cabia. Ela inteira reluzia, fêmea, exagerada. Até quieta se podia pressentir a pulsação até dentro dos olhos, uns olhos enormes e inquietos. Ele lhe falava assim e mesmo distante era de uma paixão velada que mesmo vocêvaibeberoque parecia uma poesia secreta que ele desfiava baixinho perto do ouvido dela enquanto acariciava o seu cabelo, eu te amo, A., eu te amo, dizia inteiro, sem poder se conter. Nós aqui fingíamos não ver e falávamos sobre os colegas, o jornal e o tempo, mas estávamos todos assustados e admirados. Eles se furtavam um do outro, numa dança engraçada, cheia de rodopios e pausas. Se enlaçavam assim: ela séria, medrosa, que de vez em quando se esquecia e ria e brilhava daquele jeito. Ele sem lugar, caçando esconderijo, mas acabava sempre ali, rondando-a, como se envolta do sol.

Nenhum comentário:

Postar um comentário