quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Ela chegou assim por trás, pedindo abraço, com cara de choro. Fazia um sol de rachar o crânio da gente e ela com essas mangas compridas, acha que esta na Europa ainda, a esnobe. A coitada.
- Amanda. Amanda, vem cá.
- O que é que foi, menina?
- Não sei, não sei - repetiu baixinho, remexendo os dedos uns dentro dos outros. O que é que eu faço, Amanda, me diz!
- Você acha que eu tenho quantos anos, se me visse sem me conhecer?
- Vinte, você tem essa carinha de criança assustada.
Tenho treze, quis responder. O coração doído. Ele voltou, Amanda, voltou e quer me assombrar. Continua passando a mão pelo meu cabelo, me chamando de boneca e rindo largo. Foi pros cafundó do judas e continua rindo desse jeito, que inferno. A gente acha que muda mas não muda.
- Você vai descer hoje? Vai comigo, hein?
- Se você ficar com essa carinha daqui a pouco meia faculdade vai se oferecer pra ir contigo onde você quiser, parece um cachorrinho amedrontado.
Patético, deu uns tapinhas no rosto e se aprumou.
- O felipe tava aqui me dizendo da aula de teoria da justiça. Não vai andar, viu. Não faz o menor sentido isso agora.
- Sei.
- Mas você queria pra pesquisa, né?
- É, mas pode não ser. Não sei.
A Amanda repuxou suas mangas, segurou uma mão na sua e apertou sua bochecha com carinho - está baratinada a dona organizada, hein? É paixãozinha isso? Ficou apaixonada pelo noivo, hum? Já não era sem tempo.
- Não, estou apaixonada por você, dadá, por você!
- Não me agarre assim que você queima meu filme. Cheio de gato aqui, ó.
- São 9 e 15 da manhã, dá um tempo.
Puxaria um cigarro agora se pudesse, mas nem pra isso servia, nem pra puxar a porra do cigarro. Antes de colocá-la no cesto da cegonha os anjos devem ter cometido a delicadeza de fazê-la assim, trouxinha. Toda apaixonada e toda trouxinha, incapaz dos vícios. De alguns, talvez. Porque é que não viciava em trabalho, em livro, em coisa rentável, meu Deus! Mas não. Os óculos escorregavam do nariz, um sol de rachar e aquele frio bobo, tinha é que ser assim, anêmica, adolescente. Merecia uma porrada na cara pra quebrar aquela expressão idiota e os óculos, de cara. Pôr uma lente e sair por aí chamando os outros de boneca também, fumando um cigarro atrás do outro. Boneca é a puta que te pariu, seu desgraçado. Eu chorei quando você disse que não voltava ainda...e você me volta com a mesma cara, meu Pai, me socorre, santo tem que servir pra isso também, não tem? Tinha a vela de Santo Antonio ainda, que não tinha feito o pedido, faria agora, me deixa me livrar dos carmas e me apaixonar pelo meu curso, meu santinho, seria plena então, seria inteira e boa e feliz. Maldade dizer que não estava feliz, até sacrilégio. Um vestido branco longuíssimo e um anel dourado no dedo, pronto, pronto, aí podia ser qualquer coisa. Mundinho machista, romancezinho aguado. Carma do diabo.
- Me dá o cigarro, Amanda.

Um comentário:

  1. Você pegou esse jeito brasileiro moderno de escrever... não via essa agressividade antes. Algo Mario Prata, Chico Buarque, ou outro brasileiro realista. Curioso (:
    Beijos

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