domingo, 26 de junho de 2011

Servia o café e ela com aquela vontade boba de chorar. Não sabia bem ao certo se pela dor no calcanhar destroçado no jogo de tênis que não passava ou porque tinha ficado assim emotiva, se passasse agora uma propaganda de ruffles tinha certeza que chorava, chorava copiosamente, estava sensível e sonsa, duas coisas que de fato andam juntas. Ô Loreninha, ficou tudo tão açucarado e vulnerável daqui, você não acha? E isso assusta mas também enternece. Enovelava-se devagar naquela ternura branca por ele, tanto amor e ainda aquela ternura branca, tanto sexo e aquela ternura branca, salvá-lo, meu Pai, salvá-lo inteiro e de qualquer coisa, é meu menino, meu pedaço. Pronto, fiquei assim vulnerável e quero chorar porque me dá medo de depois faltar o chão mas me deixa emotiva, apaixonada, não é bonito ser tocada assim, hein, Lorena? Não é bonito ficar vulnerável, doada, oferecida igual essa borboletinha miúda e alaranjada que agora deu pra aparecer no seu apartamento? Toda frágil e toda ali, faça chuva ou faça sol, destemida a tal da borboletinha. Gosto desse tempo bobo e parado que faz na sua casa de tarde, me dá a impressão de ter o mundo todo nas mãos, e todo o tempo, nós somos jovens e você é tão bonita natural e castanha, Loreninha, queria abraçá-la e explicar. Queria uma explicação, mas os olhos já estão tocados por essa névoa pálida que deixa a gente burro e repetitivo, e o coração já mais alarmado e barulhento, sobrepondo-se aos neuroniozinhos espertos e adestrados, tão adestradinhos e agora bloqueados dessa maneira. A gente fica burro, Loreninha, cego, surdo, louco, não enxergo um palmo na frente do nariz. Mas fiquei tocada, e você sabe, isso deve ser bom. Essa sensibilidade pro colorido e pras palavrinhas antigas e xoxas dos poetas deve servir para ser uma garotinha melhor. Ronronava um amor brando que se aderia à sua pele. Estou irremediável, Loreninha, quem sou eu. Me salva? Não, a propósito, não me salve. Deixa eu me afogar em açúcar porque açúcar não envenena a gente. E se envenenar, agora também já não ligo mais.

sábado, 18 de junho de 2011

Engraçado isso, hein, Loreninha? Fiquei mais livre pra me apaixonar agora, estou tão apaixonada por esse azul desmaiado, por essa margarida na sua janela, por essa sua delicadeza, pela atenção da Irmã Lila, por esse jeito louco que eu gosto dele. Fiquei apaixonada assim por tanto que parece que me achei nesse bololô, sou o que vim pra ser, até meus dedos estão mais quentes. Seguro seus dedinhos claros antes de apanhar a xícara de café que você me oferece, seguro você assim distraída e natural, numa benção e num agradecimento, estou apaixonada, meu Pai. Nada me tira desse estado de graça, esse mundo bonito, essa cor nos seus olhos, esse coração bobo que me ficou. Talvez, de tudo, seja isso, meu Pai, seja isso: olhar a Loreninha com essa ternura que não me cabe, o mundo inteiro dentro do eixo. Lindo, lindo.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Ele diria que não, é claro. Depois de amanhã, ou quem sabe na sexta, o trabalho, sempre aquele trabalho desgraçado começado todo dia e sempre mais, e mais e mais. Pra ele comprar aquele relógio caro e mover a mão como o dono do mundo, desprentencioso, o meu homem. Ele gosta de deixar claro todo dia que não é meu menino. Que despropósito, hoje é terça, pensaria ele, como se afastasse uma mariposa boba que rondava sua cabeça, continuaria ali, entretido, e a secretária vadia e justa perguntando tudo, ligando, não sei o que eu faria sem a Tatiana, disse ele sem pensar depois de me contar o problema com o alvará do consultório. Sutil, a Tatiana, se não fosse pelos olhos. Fico caraminholando desse jeito e depois não sei o que eu faço, me abraça, Roberto, me abraça! Mas era terça feira. Quem sabe na quinta, ou na sexta. Disse que sim e perguntou se podia confirmar o jantar com a Marina e o Flávio no sábado, ele respondeu que sim, podia, depois das 8h, mandou um beijo e desligou. É que eu quero te trair, sabe, Roberto?! Incrível como fica aquele bichinho no fundo dizendo maldade e a gente vai ficando aguado de tristeza, só pensar em trair e fica apaixonado, não, Roberto! Os meneios sentimentais. Talvez ele até lhe desse um tapa na cara se dissesse que foi com o estagiário, xingaria, diria pra todo mundo que tinha aquela carinha boa mas era uma vadia. Vadia sim, uma vadia de fim de semana porque durante a semana a gente trabalha, põe roupa cristã, liga pra mãe, dá ordem pra faxineira. É, terça não parecia um dia muito apropriado pra trair. Talvez terça feira fosse só dia de morrer, levar o cachorro pra andar, ver novela e andar de pantufa. Vestiu o pijama azul desmaiado, a pantufa e foi deitar, se divertindo malevolamente com o jornal. Na quinta, quem sabe.