segunda-feira, 8 de junho de 2009

E é bom, que eu me lembre.

Sem querer lembrei de coisas palpáveis que a gente esquece, mas quando lembra sente até o compasso do corpo descendo a rua. Hoje faz frio, mas me lembrei mesmo assim do que me dissolve em açúcar puro. Fiquei grata pela sensação, me lembrei sem querer da amiga com quem escrevia, (aquelas coisas horríveis!) e depois de um dia inteiro juntas a gente fazia desenhos bordados escrevendo mais mil bobagens. Chegava e me sentava grata, esperando as gracinhas. Às vezes dava mil voltas fingindo que não tinha as nossas bobagens pra ler. E respondia com mais metros e metros de exclamações e idéias estapafúrdias, no vocabulário que nos pertencia. Lembrei dos livros emprestados. Dos dias que não tínhamos pressa em nada. Confabulávamos sem culpa nesse paralelismo adorável. Fazia sempre um sol de domingo na nossa rua.
Tinha uma carta nas mãos e um dicionário. Era uma música francesa numa letra redonda, que já descia pela minha garganta, tomava os meus pulmões e assaltava o coração. A essa altura a tradução não importava em nada; valia era a letra em francês, o quarto escuro, escondida, com um dicionário enorme. E ria, nervosa. Porque alguém escrevera aquela carta antes, pra ela.
Fazia um frio enregelante, mas não fazia mal. Voltava para casa sozinha depois de deixar o seu braço, o seu pedaço no caminho. Era bom voltar sozinha, sozinha na rua com as casinhas amigáveis. E desciam desdenhando as grandes questões do mundo e dizendo tudo o que não fazia sentido, porque não era necessário. Ele caminhava de braço dado com ela, parte irrevogável e sarcástica do seu coração desorientado e bobo.
Era naquela época em que a manhã nascia sem preguiça, mas sem susto. Era quarta feira de manhã (ou seria terça?) e estavam onde jamais se imaginaria que estivessem. Ah! Rodavam a rua como se não houvesse nada, como se fosse deles. Não olhavam pros lados. Ele entrou na livraria e deu pra ela o livro que ela queria. Tinha todos os dias vagos de verão para lê-lo sem pressa, e só de pensar nisso dava uma sensação boa. Saiu com ele apertado junto ao peito e rindo, riu o caminho todo de volta pra casa. Às vezes disfarçava abaixando a cabeça e respirando fundo, pra não constranger os outros. E mesmo que o livro não fosse maravilhoso, ficou sendo ele.
As pessoas tocavam alto, era verão. Era a ponte do Sena. Ficou ali, olhando, deixando todas as notas seduzirem seus pensamentos pra sempre. Abençoou os namorados que passavam pombos, era Paris. Queria ser a encarregada das histórias deles. Queria que se sentassem com ela e contassem tudo com amor, era Paris e fazia um sol lindo, e a banda tocava como se fosse há muito tempo atrás.

3 comentários:

  1. Você voltoooooooooooooooooooooooooooooooooou!

    Ai, ai, aiiiiiiiiiiiii!!!!!

    Volto pra ler. Volto. E logo.

    Beijos e beijos.

    [Posso linkar, agora?]

    ResponderExcluir
  2. Esse livro apertado no peito me lembra um conto da Clarice. Lindo!
    Esse seu dia lindo em Paris melhorou minhas vistas. Por aqui, essa Mariana cinza e gelada.

    Um beijo!
    :)

    ResponderExcluir
  3. Eu adoro reconhecer no que as pessoas escrevem, muitas coisas que eu mesma escreveria, por já ter vivido similarmente. É bonito!

    ResponderExcluir