quarta-feira, 7 de abril de 2010

- Nós nunca estudávamos.
- Eu sei.
Eu podia te dizer que era você, você que eu quero. Mas não pretendo mentir. Se você me deixasse ficar, se você abrisse os portões e voltasse a ter o jeito despretencioso que tinha no início, e parasse de me dizer isso que diz pras mulheres com quem você sai às quintas e sextas feiras, eu poderia ficar e te perguntar, menino, porque foi que você ficou assim, arisco? Podiamos ficar assim, sem ruído. Mas moramos em caixinhas de fórforos empilhadas até o céu, e não temos muito tempo, apesar de termos solidão e contatos de sobra. Da janela eu olho a menina que fica horas no telefone com o namorado de noite. Às vezes ela senta atrás da porta e chora, chora e a dor dela fica a minha, ela parece tão abandonada... Vejo a mulher de cabelo bagunçado e camisa amarela desbotada passar as camisas bem cortadas do marido, e depois não vejo mais. Ele vem e eles vão pro quarto ter uma noite de sexo tórrido ou comem batatas frias na frente da tevê, não sei bem. Ela gosta de cantar as músicas românticas no rádio mas fica mais lenta por isso, não sei se de amor ou de tristeza. No outro prédio uma sala de espera sem fim, uma espera sem fim com uma luzinha amarelada e um ambiente escuro. Aqui do lado ela se pinta e sai às quartas, mas cada dia é um diferente. Aparecem na porta com caras ótimas, impacientes. Acho que ela atrasa um pouco. Os mais frios só ficam lá, martelando a buzina. ÀS vezes eles ficam no apartamento mesmo, mas esses também vão embora. Loira com uns cabelos que não acabam nunca. Bateu o carro no meu na garagem porque não sei onde aprendeu a dirigir, um horror. Loira com seu ka vermelho como fogo. Juventude triste, menino. Triste como os seus olhos completando 24 e sem brilho, repetindo as frases e os movimentos de mil noites loucas e rasas. Imagino que se você me visse aqui nesse apartamento todo pequenino e sutil, com essas camisas largas, o que é que dizia. Se ia me achar abandonada e triste como a garota do telefone, ou passada como a mulher das camisas. Ou se veria isso, uma mulher traída, com um casinho, esperando o telefone tocar. Não toca. Ela sai, tira o carro, vai no centro, nos consultórios, no caralho a quatro, e ninguém diz. Ninguém diz.

Um comentário:

  1. fui lendo e foi como se eu estivesse vendo um filme, sabia?
    queria que continuasse...

    :)

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