sábado, 23 de janeiro de 2010

Mas hoje não. Hoje deveria haver essa liberdade nua, avessa, transviada. Seu corpo se programava para coar o café como sempre, às 5 e 30 da tarde. Mas hoje não. Hoje haveria de ser tudo diferente ou não seria mais. Largou o pó preto na pia e foi pro café na rua, assim, sozinha. Porque as pessoas precisam estar sempre acompanhadas? Iria sozinha, para olhar, olhar. E assim, com os olhos novos, tudo tinha um novo gosto, um gosto acentuado descendo pela garganta e se refletindo nos olhos. O mundo parecia agora muito melhor e era assim que devia ser. Os muros pintados de azul, a calçada de amarelo e tudo mar, com gosto de mar, com cheiro de mar. Precisava ser hoje, agora, e desvestida, mudaria de nome, de endereço e de rosto...tão bom continuar no mesmo lugar com novas cores, novas dimensões. Tirou o resto do dia para ser feliz: não fez as compras, não enfrentou a fila do caixa eletrônico, se recusou a verificar os e-mails - como com o nariz sujo de sorvete e a boca melada, sentou na calçada, um gato gordo para fartar-se do mundo e da tarde que se debruçava arrastada, tarde velha de todos os dias de toda a humanidade mas continuava boa, fiel, no seu compasso colorido. Jantou sem tevê, ouvindo a vida correr escada acima escada abaixo, com um pijama azul de bolinhas rosa. E com o riso gostoso que só os anjos podem ter...então olhou-a assim bem de perto, para ter certeza, olhos pardos e açucarados que só ela. Tanta gratidão...Foi sincera com Deus de noite. Dormiu com as portas da varanda escancaradas, e ela e o sol se beijaram de manhã logo cedo.

3 comentários:

  1. L.,
    pra mim, perde a graça. preciso levar pra terapia meus relacionamentos/contos que crescem, explodem e param. rs
    quanto à citação, é de um conto do caio fernando abreu, 'a dama da noite'. e é ele, clarice, henry miller, kundera e toda a leva dos amaldiçoados que me fazem assim: incapaz de escrever com essa boniteza festiva, assim como você acabou de fazer. ;)

    e quanto a você, quem são seus santos e... o que vem depois do L?

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  2. é, música não pede tanto tempo, mas múltipla atenção. e com ela até lavar o banheiro se torna suportável... hahah
    C.F. abreu é sempre demais. me disseram, certa vez, pra tomar cuidado porque overdose dele gera arrogância. aquele ar indiferente e sem esperança, sabe? daí logo agarro meu copo de cerveja e meu jorge ben porque morro de medo disso. rs
    um beijo, Laís.

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  3. Nossa (!) muito lindo. Era como se estivesse de fora observando as cenas acontecerem. Simplesmente lindo.

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