quinta-feira, 10 de abril de 2014

Eu tenho tanta vontade de falar com você, mas descubro que não tenho nada pra dizer. Entendi tanta coisa, sabe, que achei que jamais entenderia. Por exemplo, jamais admitiria que você tocasse mulher nenhuma. E agora eu entendo o quanto isso não importa, o quanto eu era jovem, porque chega um ponto na vida que não importa mais quem você beija, ou fode, ou dá seu tempo. Só importa onde é que tá seu coração, e eu pergunto onde é que tá o meu e não consigo saber. Ficou enterrado na lama, por aí, no meio do caminho. Nada disso importa, importa cadê o coração, e nada disso vincula coração, nada, nada. Eu beijei esses meninos, mas o coração continua afogado, magoado com você. Tão magoado que não tem pra onde ir, nem pode voltar, porque não há mais pra onde voltar, tudo virou pó, era bonito, dourado e virou só pó. Eu tô sofrendo, sabe, por mais que pense que não devia mesmo amar você, depois de todas as suas maldades; mas eu amava esse sonho bonito que a gente tinha, e tratava tão bem. Fiquei sem nada no altar, levaram meus santos. Pior: levaram minha fé. E o seu coração, onde que tá? Afogado na lama, junto com o meu? Adiantaria a união de dois corações sujos?

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Abri todas as janelas pra deixar a luz entrar mas eu lembrava muito bem dos dias em que você era minha luz. Eu queria que desse pra voltar sabe, que você não tivesse queimado todas as pontes. Ou fui eu? Não importa mais. Importa que nos queimamos. Eu lembro quando você era tudo, tudo, essa luz clara que me inundava. E todos os meus adjetivos eram seus. Meu vocabulário. A falta dele. Hoje eu sou silêncio, e não me contenho, mas não me tenho. Eu sinto sua falta da maneira mais sincera que meu corpo sabe. Eu era toda, toda entregue sua e você não soube o que fazer com isso...e aí dói. Por nós, que perdemos tanto com isso. Nos perdemos, unidade boa que éramos. Tudo bem, fica pra próxima.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Dos amuletos

Voltou correndo porque tinha esquecido do colar com o pingente verde, um ovo pequeno pintado de dourado, que se abria e de dentro saía uma borboletinha. Parece que adoram os ovos em Paris, o que é coisa engraçada, de fato. Renascer. E verde como a Lygia, que tinha sempre consigo, e seu lagarto amarelo, suas luvas, suas cerejas. Ai, Lygia, segura na minha mão, faz um carinho. Uma conversa difícil como essa exige serenidade, ritual, um amuleto pra levar junto pra gente não se sentir tão sozinha. E aí pensava: o último perfume, o que teria então que jogar fora, o último vestido, pela última vez as mãos, os olhos...não deixa eu ir selando o destino assim, me guarda. O ritual no fim das contas é porque a gente quer se proteger, precisa tanto de proteção. De carinho. De coragem. De dizer, de ouvir, de virar a página. Tanta coisa, meu Pai: anda comigo. Vem com o seu passo junto com o meu. Apertou o crucifixo pequeno, pôs o colar verde e pediu para os seus anjos generosos que olhassem por ela, tão exigente essa pecadora. Tão atarantada. Pediu a Lygia que tirasse dela as dificuldades do fim, porque não era hora, porque aquele livro inteiro não podia ter fim. Era recomeço. Pediu a ela a sutileza do tempo, do amor, e do início.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Ele chegou assim muito sem jeito e perguntou que é que eu queria; eu disse que guardasse a aflição, a disposição de ir pra rua, a mão boa, o remédio pra dormir. Quero alguma coisa que cure, quis responder mas não sei se ele entendeu, atravessado no meio dos lábios. Tão bom ele. Tão amarga a boca. Algo que cure.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Se sentia imensamente grata, isso sim. Se ele estivesse aqui, seguraria suas mãos e contaria suas fases, contaria sim senhor. Primeiro, que esteve muito triste, e não fazia muito tempo. Triste e meio embaralhada e de mãos dadas com aquele a quem chamava de seu, mas os dedos entrelaçados frouxos, os olhos um pouco vazios, um pouco infelizes. Lhe diria também que isso passou, porque tem hora que o amor todo que a gente teve na vida e doou também vem pra nos salvar, um sol enorme, lindo, implacável, amarelo feito um canário. O amor nos salva, sim, quando estamos afundados, fracos, o amor cultivado numa vida inteira, essa luz louca. Queria segurar firme nos dedos dele, já fazia tanto tempo, e tinha sido um amor tão bonito e agora era essa saudade tão imensa, essa verdade, esse apego de alma, que o amor dele a tinha salvado muitas vezes; e salvava ainda, todos os dias. O amor persistia; assim como cada canção de amor persistia no seu coração, cada uma com sua lembrança, seu suspiro, seu enlevo. E percebeu logo que era tão feita dessa massa melíflua e quente, apesar dos dias, apesar da frieza pretendia, da objetividade: era amor e sempre tinha sido. E o amor por ele era a coisa mais bonita, mais pura! Longe do romantismo, da realidade, era aquele seu amor irrealizado, perfeito, intocável. Queria segurar suas mãos, tanto tempo, perguntar como ele andava, o que é que tinha feito. E sabia, no fundo, que tinha também estado lá por ele, de alguma forma, porque o laço jamais se desfizera. Diria que desistira de pedir sapatos de aniversário, e bolsas, e viagens badaladas: voltara para os livros...e os quadros...e tudo o mais que lhe tocasse. Porque a vida é curta, não é? Curta demais pra não amar os artistas da nossa vida. Que queria os shows desesperadamente...que talvez fosse mais jovem agora! Mais bonita, mais leve. Que abraçava os amigos dela com mais frequência. E que queria abraçá-lo de novo porque ele era um amor e não tinha mais ninguém no mundo que merecesse uma coisa mais bonita do que ele, de verdade.