quarta-feira, 7 de julho de 2010

Queria te dizer, escrever uma carta grande com tinta azul pra você. Cheia de coisas que não posso dizer e não sei explicar. Mas e depois? O que viria depois? Não sei, por isso não escrevo. Estou naquele ponto definitivo em que tudo o que se diz é delação, e não posso. Não pergunte porque, hum? É tudo complicado e grande e me devora e fica me mascando, olha, comprei livros novos e gritantes mas continua me apertando, me mascando, uma cobra que ficou enrolada e de vez em quando me aperta mais um pouco pra lembrar que está ali. Já me afeiçoei a ela e ela me aperta e eu aceito, cheguei até aqui, haveria mesmo de ser assim. Não escreveria na sua carta que será necessário deixar passar do ponto, pra que você possa ir embora. É uma consciência branca, só isso posso fazer, esperar o vermelho ficar escuro e enjoativo, esperar você ir embora e dizer, sim claro, um beijo, a gente se vê. E deixar o coração gritar alto mas tudo na surdina, bom dia, como tem passado? Apesar de querer socar esse seu sorrisinho leve, socar não, chorar e pedir socorro e pedir pra você, não, não! Mas eu não vou pedir nada. Vou sorrir e continuar andando na rua insuspeitável e avessa, mesmo que tudo pese como uma âncora e eu tenha tanta coisa pra te falar, já não vai adiantar e aí estará tudo resolvido e eu amarrada de novo, a essa altura a cobra já será de criação, amarela brilhante se enrolando no meu peito oprimido e conformado. Era preciso dizer ainda tudo isso que eu não disse, que você era meu coração e talvez fosse só por isso eu ainda não era inteiramente ruim, mas a gente paga um preço por tudo, não é? E eu sei que vai doer, que eu vou enlouquecer e não tem como evitar, não tenho medo, você pode ir embora, mudar a rota devagar, esquecer de passar aqui em casa às quintas-feiras, esquecer de andar comigo contigo o tempo todo, numa conversa silenciosa, cheia de intervenções. Pode esquecer tudo e deixar passar a sua febre, esquecer, esquecer; pode vir aqui, gritar, pode fazer todos os últimos dolorosos movimentos, deitar os olhos em mim, me abraçar e me queimar com eles, naquele parenteses insuportável entre o seu corpo e o meu. E aí quando eu não te vir mais, esse silêncio vai se entranhar nos meus pêlos e enfiar as unhas em mim, eu vou querer fugir e te amaldiçoar e te trazer de volta pelo amor de deus. E Deus fica cruel e bom e íntimo nesse momento, num sono torpe, doído. Eu vou refazer todos os passos do que me levou até você, vou encontrar mil falhas, indícios, erros, vou dizer que a culpa é minha, é sua, é de Deus. Sobretudo vou culpar todo mundo porque você continuará sendo bom, sabe, menino, eu sei que você não vai brigar comigo, nem me amaldiçoar, me difamar, você vai sofrer também e isso agora dói mais que tudo. Vou xingar Deus por ter me deixado atravessar a porta, a mãe por ter me posto no avião pra cá, a Letícia por ter me desencaminhado, atrasado meu curso, tudo que não me deteu e me deixou chegar aqui, as festas intermináveis na casa de todo mundo, e você, você e seus olhos lúcidos e bons e dominadores. Não faz frio, menino, alguma coisa passou por aqui e levou a meu corpo, meu coração, não vejo nada, não sinto nada, e por mais que o mundo seja violento fiquei boba, e por mais que tudo fique sem cor fiquei sofrida, dia com sol, nublado, gente, tudo me deixa assim nessa dor lenta de nao ter você e precisar tanto, e te amar tanto.

Um comentário:

  1. "Pra ser sincero, prazer em vê-la, até mais." (:

    Gostar é bom, mas precisar é terrível.

    Que se faça como se desejar, mas deixar as coisas irem terminando aos poucos é algo que eu nunca faria. Eu lutaria contra moinhos de vento, estragaria uma possível convivência amigável; simples assim: do amor, ao rancor, se preciso. Depois a raiva passa e todos vêm o que aconteceu com olhos serenos, mas eu poderia me perdoar por não ter dado certo, pois fiz o melhor e tudo que pude. Mas é só o que eu penso, boa sorte. (:

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