segunda-feira, 14 de junho de 2010

Mas meu bem, você pode se sentar aqui, por suas mãos nas minhas e esquecer aquelas coisas horríveis que você viu nos noticiários mais cedo. Podemos ir àquele parque que você tanto gosta, podemos pegar ônibus para o fim do mundo para que possamos ouvir as histórias exageradas e sem sentido que correm por aí, os comentários das novelas, as maldadezinhas, a expansividade incontrolável dos colegiais. Tanta coisa a gente esquece, que é bom. Esquecer é bom, menina, pra você esquecer como eu era babaca na sétima série, batia no valter que era menor que eu. Você pode esquecer as coisas feias que eu disse pra professora e o quanto você me odiava por implicar com seus óculos e seu volume enorme de livros. Pode esquecer que eu xinguei seu pai há dois meses atrás sem querer, por pura raiva. Não que eu não pense aquelas coisas que eu também falei sem pensar...Pode esquecer que esqueci seu aniversário quando viajei pra Belo Horizonte com o Daniel. Pode esquecer que eu lhe disse pra não me encher o saco e desliguei na sua cara. E que eu não fiz muita coisa pra merecer que você me perdoasse lentamente, me perdoasse assim com o seu coração grande e seus olhos largos que se enfiam nos meus e riem e perdoam um pouco. Não mereço maz fico grato. Agora você pode esquecer a música que eu tocava pra você, pode esquecer que eu fui naquela boate fodida no centro te buscar porque você bebeu e ficou me xingando dentro da vodka, e rindo. E eu entendi cada palavra quando gritou pelo meu ombro que eu estava te sequestrando porque você era uma artista de cinema e não namorava cara fodido. E riu, riu quase o caminho inteiro até a sua casa enquanto falava com Godofredo, um sujeito boa pinta a quem no final emprestei minha voz e meu vocabulário sujo. Você, no final, recitava Shakespeare para Godofredo e, encantada com seu sarcasmo quase solene e com sua safadeza enrustida, se jogou nos meus braços. Menina, não foge mais não. Hoje vou deixar que escolha o filme e finjo que assisto com você, se você me permitir destruir as cenas trágicas pra você não ficar impressionada depois, pensando nos destinos trágicos e alisando o gato sem me dar atenção. Napoleão, haveria de encontrá-la assim, com o rosto purinho perdida dentro de um show de garagem com cerveja quente, o som alto demais não fazia jus às minhas cantadas baratas e, como você já é surda, ouvia as coisas mais absurdas e ria da minha cara. Lugares assim em que todo mundo parece underground e todas as bandas parecem promissoras, o som alto demais, as caixas em cima do azulejo encardido e velho. Você aqui, dentro do seu apartamento confuso e colorido, contando casos pro Napoleão, gordo, branco e aristocrático, que faz cara de tédio enquanto você se empolga e fala sem parar, mas que fica rondando o forno quando tem bolo formigueiro, e miando alto quando ele vai pra mesa. Ele abusa de você, eu abuso de você, mas é a nossa garota, sabe, Virginia?! E eu sei que você entende e nos perdoa, por isso peço que esqueça também esse cara que resolveu lhe mandar flores e poemas e te perseguir na faculdade, porque não somos cem por cento bons mas gostamos tanto de você...e não atenda mais o telefone quando essas solteiras desvairadas te ligam querendo te levar pros inferninhos, gato de raça no meio do lixo você sabe como é, acha que é festa. Além do mais, se eu for o Napoleão vai comigo, já que compartilhamos da mesma dor cinzenta do seu desafeto.

Um comentário:

  1. Podemos fazer tudo, aliás a vida é tão longa e passageira...

    Adorei o texto !

    Um beijo e um doce sorriso !

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