segunda-feira, 21 de junho de 2010

- Ele jurou a ela que não tinha nada com a tal mulher, não. Apesar dela ligar todo dia pra dizer aqueles absurdos, sabia que o casamento era uma tristeza, sabia do limite do cartão de crédito, sabia do filho tímido e com déficit de atenção, sabia de tudo...e ela foi acreditar ele! Então eles foram, a mulher encostou-a na parede assim e gritou como uma louca, um horror, e qdo ela disse que o casamento não era tão ruim assim a outra encheu a mão e deu-lhe dois tapas na cara, ele não se moveu, imagine!...Disse que tinha um filho dele, coisa que ela não podia dar, e mesmo furiosa deu aquele sorriso satisfeito e cruel.
- Mas e ela, fez o que? - perguntou brincando com o frango grelhado no prato. Essas comidas de modelo são uma infelicidade, tudo com gosto de papel, passado a seco na grelha porque não pode pôr óleo, óleo mata, Jandira! Me mata é viver essa vida sem gosto, até na comida agora?!
- ...e foram embora.
- Hein? Ela não fez nada, é? - mas ela era tão boazona com sua classe toda, pedigree em todas as patas que lavavam os pratos caros com delicadeza, minha mãe volta da Itália essa semana, dizia com aquela naturalidade calculada. Cadela.
- Não, menina, mas você não está ouvindo? Ela ficou chocada demais, nunca vi a Clotilde assim, se livrou da mulher, enfiou o marido no carro e pediu pra ele ir lendo aquela parte das cartas no jornal pra que ela não jogasse o carro no rio com os dois dentro ou voltasse pra passar o carro em cima da vagabunda.
- Ah.
- Ih, como você tá chata hoje.

Só você tem esperança que eu não seja chata sempre, pensei, dando um sorrisinho sem graça pra ela.

- Mas é ótimo que seja feriado, você não acha? Caiu muito bem, hein? Nós podíamos ir no sítio daquele amigo meu de Belo Horizonte, ele disse que vinha pra cá e que iam fazer qualquer coisa hoje...e tem o primo dele, você lembra dele, não lembra?
- Lembro. - mas gosto mais, muito mais desse chocolate velho que encontrei no armário, pensou maldosa.
- Que foi?
- Nada. Seria bom mesmo encontrá-los hoje, disse mordendo o chocolate com malícia. Mas que é que tem? Era melhor que ficar em casa, não era? Não era?

- Vou fazer um café, não tem graça esse chocolate sem café.
- Isso porque você não pode com cafeína.
- Só hoje, meu bem. Até porque você é uma negação pra dieta, você me desestimula.

Antes fosse há anos atrás, que eu a estimulava a provar os homens novos, as mulheres novas, como foi que a gente ficou assim boba, hein, Maninha? Cadê a sede, a crença que a gente tinha? Ó, pai, daqui a pouco tem as doenças, doenças e taxas, no final fica todo mundo médico de tanta dor.
Mas agora, agora que sabia que o amor era só essa ilusão boba que a gente tem, sofria menos. Bem menos. Pelo Paulo, que deixara atravessar a porta tantas vezes. Por não ter querido se casar, casar é pra gente carente, dizia enquanto acendia um cigarro e virava os comprimidos coloridos. Tantos, que parecia que brotavam, e cada dia ela tomava mais, 3 do pra dormir, 2 calmantes, 4 da pressão...e no final se misturavam todos e ela já não sabia mais quantos eram, virava tudo no café frio e sem açúcar. Não queria casar, não ia a casamentos, visitava a mãe muito raramente porque lá tudo era tão limpo, tão branco, ficava fora do lugar; e depois tinha ficado assim mole, ó, as grinaldas brancas! Mamãe, será que fiz tudo errado, mamãe? Vai saber, também não importa mais, não importa. O amor, essa coisa viscosa que abraça a gente, acorrenta, então ia devagar abrindo mão daquele homem bom, do homem bom com olhar bom e corpo quente, abria mão da carreira que podia ter sido bonita se não tivesse feito tanta merda na faculdade, mas o pai ofereceu uma especialização nos Estados Unidos, seria bom, não seria? Amor não, e se desvestia dessas raízes incômodas do amor, cultivava um querer sonso, realista, morno. Talvez assim pudesse enxergar tudo com mais clareza e aí talvez tudo voltasse a ser como deveria ter sido, sem vermelho, e nova, clara, com a visão tão boa que agora podia ver os contornos, os contornos nítidos e as cores de tudo, a beleza e as imperfeições, e assim tudo seria novo, tudo diferente do que a gente via hoje, e finalmente teríamos a verdade, a verdade sem essas coisas que construíram em volta de tudo, tantos anos, tanta loucura esses homens sem pátria, sem racionalidade, meu pai! Se pudesse ver o inútil e saber o inútil, e se fosse assim também branca e oca veria tudo e seria ela própria a verdade, a verdade e ali estaria Deus. E veria, Jesus disse: levanta-te e anda. Enquanto as cores rachavam suas pupilas, tentava tirar a venda da Marina,a justiça cega que por isso cortava as cabeças dos inocentes, se tivesse nascido no regime nazista seria nazista louca, Heil Hitler! Se na corte teria vestido e desvestido a rainha com a mesma simplicidade, ela é mesmo uma bastarda, minha senhora. Deseja o chá agora ou depois dos jogos? E carregaria as perucas e todas aquelas quinquilharias com a mesma dignidade que faria qualquer coisa na vida. Boa, a Marina. Ruim era ela.

- Já está tarde, ham? Vamos acabar atrasadas, e tem tanta coisa pra fazer!
Pra que a pressa se vamos todos morrer, Marina. Tinha pressa porque ia pro céu, mas ela não. Então não tinha pressa. - Só um minuto, meu bem, senta e toma o seu café antes que eu fique nervosa e puxe um cigarro.
- Você vai morrer, com esse pulmão preto.
- Os médicos são todos mentirosos, Marina. É uma conspiração contra a felicidade, porque são uns coitados, torturados na faculdade.

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