Há 2 anos
sábado, 15 de fevereiro de 2014
Dos amuletos
Voltou correndo porque tinha esquecido do colar com o pingente verde, um ovo pequeno pintado de dourado, que se abria e de dentro saía uma borboletinha. Parece que adoram os ovos em Paris, o que é coisa engraçada, de fato. Renascer. E verde como a Lygia, que tinha sempre consigo, e seu lagarto amarelo, suas luvas, suas cerejas. Ai, Lygia, segura na minha mão, faz um carinho. Uma conversa difícil como essa exige serenidade, ritual, um amuleto pra levar junto pra gente não se sentir tão sozinha. E aí pensava: o último perfume, o que teria então que jogar fora, o último vestido, pela última vez as mãos, os olhos...não deixa eu ir selando o destino assim, me guarda. O ritual no fim das contas é porque a gente quer se proteger, precisa tanto de proteção. De carinho. De coragem. De dizer, de ouvir, de virar a página. Tanta coisa, meu Pai: anda comigo. Vem com o seu passo junto com o meu. Apertou o crucifixo pequeno, pôs o colar verde e pediu para os seus anjos generosos que olhassem por ela, tão exigente essa pecadora. Tão atarantada. Pediu a Lygia que tirasse dela as dificuldades do fim, porque não era hora, porque aquele livro inteiro não podia ter fim. Era recomeço. Pediu a ela a sutileza do tempo, do amor, e do início.
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014
Ele chegou assim muito sem jeito e perguntou que é que eu queria; eu disse que guardasse a aflição, a disposição de ir pra rua, a mão boa, o remédio pra dormir. Quero alguma coisa que cure, quis responder mas não sei se ele entendeu, atravessado no meio dos lábios. Tão bom ele. Tão amarga a boca. Algo que cure.
sábado, 11 de janeiro de 2014
Se sentia imensamente grata, isso sim. Se ele estivesse aqui, seguraria suas mãos e contaria suas fases, contaria sim senhor. Primeiro, que esteve muito triste, e não fazia muito tempo. Triste e meio embaralhada e de mãos dadas com aquele a quem chamava de seu, mas os dedos entrelaçados frouxos, os olhos um pouco vazios, um pouco infelizes. Lhe diria também que isso passou, porque tem hora que o amor todo que a gente teve na vida e doou também vem pra nos salvar, um sol enorme, lindo, implacável, amarelo feito um canário. O amor nos salva, sim, quando estamos afundados, fracos, o amor cultivado numa vida inteira, essa luz louca. Queria segurar firme nos dedos dele, já fazia tanto tempo, e tinha sido um amor tão bonito e agora era essa saudade tão imensa, essa verdade, esse apego de alma, que o amor dele a tinha salvado muitas vezes; e salvava ainda, todos os dias. O amor persistia; assim como cada canção de amor persistia no seu coração, cada uma com sua lembrança, seu suspiro, seu enlevo. E percebeu logo que era tão feita dessa massa melíflua e quente, apesar dos dias, apesar da frieza pretendia, da objetividade: era amor e sempre tinha sido. E o amor por ele era a coisa mais bonita, mais pura! Longe do romantismo, da realidade, era aquele seu amor irrealizado, perfeito, intocável. Queria segurar suas mãos, tanto tempo, perguntar como ele andava, o que é que tinha feito. E sabia, no fundo, que tinha também estado lá por ele, de alguma forma, porque o laço jamais se desfizera. Diria que desistira de pedir sapatos de aniversário, e bolsas, e viagens badaladas: voltara para os livros...e os quadros...e tudo o mais que lhe tocasse. Porque a vida é curta, não é? Curta demais pra não amar os artistas da nossa vida. Que queria os shows desesperadamente...que talvez fosse mais jovem agora! Mais bonita, mais leve. Que abraçava os amigos dela com mais frequência. E que queria abraçá-lo de novo porque ele era um amor e não tinha mais ninguém no mundo que merecesse uma coisa mais bonita do que ele, de verdade.
quarta-feira, 25 de dezembro de 2013
Enrolava um anel de cabelos nos dedos, ah, o amor! Esse ser vivo e velho, tão renovado nas bocas novas, nos corações novos, nos olhos enormes! Eu devia lhe pedir, fica, Rosa, tão linda você cheia de juventude, de ares, de nobreza, enrolando os cabelos que lhe desciam o rosto sem parar, indomáveis. Disse logo, porque cabia, já que a juventude traz consigo esse privilégio de amar bonito, gordo, romântico. Os amores antigos são bonitos sim, tem lá a sua graça por trás do mármore da solidez, do dia-a-dia...mas ah, esse frescor era sempre especial, disse porque ela era linda e amável mesmo e mocinhas assim são amadas ao horror, ao delírio, depois ficam com os olhos assim dóceis, mas cheios de pequenos mistérios de amor. Rosa, eu pedi, fica Rosa, eu te amo, me ame, vamos ser felizes, pede pro mundo parar! Mas é essa violência, esse roda roda desenfreado e colorido. Juventude. Eu sorria pra ela, antes que passasse, antes que se acabasse tudo e tivesse que se tornar uma penca de outras coisas. Me bastava somente essa solitude linda: eu e a Rosa, e esse sol insandecido do amor novo se enfiando na nossa pele iluminada, nos cabelos, nos dentes, nos ossos, nos nossos dedos entrelaçados.
sexta-feira, 18 de outubro de 2013
Eu acho que precisava dizer, mas tenho certeza de que ele não quer ouvir. Nós todos odiamos a verdade. Que cortem o nosso barato todo, porque o barato não é sonhar? Vai dizer que eu sou cética, que não sei vê-lo feliz, que meu olho é triste. E o pior é que eu gosto tanto da verdade, mas tanto...não seria essa a verdade? Mas a verdade não é inteira. Nunca é o que eu vejo...apesar de todos os filtros. Será que no fim os filtros são todos iguais? Os meus, o do homem louco, o da mocinha caça dote virando a esquina...todos distorcidos...não somos todos grandes fantasiadores? Tão sensatos e racionais e loucos? Justificando-nos o tempo todo. Ele quer fantasiar, mesmo que seja pra rachar a cara toda, e cair e cair e cair e cair mais um pouco. Cada um faz o que pode. Eu me apego a terra, cheiro, passo na pele, olho dentro dos seus olhos pretos. Entendo, entendo tudo, que eu tenho uma necessidade premente de não me descascar, e fazer esse caminho reto, cheio de micro intervenções, mas tão reto quanto possa ser. Ele não. Somos uns bichos de Alice mesmo, o gato colorido imoral, o coelho ansioso. Ele me acha triste. Não sei se sou eu ou se é todo o resto. Ele se defende. Grita. Eu entendo, entendo tudo, mas me magôo também. Me achando muito triste sentada aqui sem nada nas mãos, só o sonho, as possibilidades...mas as possibilidades não são sempre bonitas, brilhantes? Ele foge porque acha que eu quero guardá-lo; eu acho que ele se perde. Mas quem sou eu...que perca-se, o que é nosso fica livre pra ser ou deixar de ser, não é assim? Tudo é livre, sempre livre, assim como eu posso sair por essa porta agora e pegar um vôo pro Nordeste e engravidar de um jogador de futebol local, e viver assim prenha, desamada. Terei jogado tudo que é nosso fora, rasgado, pisoteado. Rido, caçoado, dançado. Eu estou perdida também. Olho olho e não entendo, e me apaixono, e sofro, nada como estar apaixonada. Eu quero essa liberdade doida que me quer, que me toma, que me pede. Entao vamos começar tudo de novo, nos liberar, nos queimar e vir de novo, branca, inteira, nova, pra tomar esse mundo que desde o início sempre esteve nos olhos. Sinto muito por te meter no meio disso, mas é maior, é mais difícil, é grande. É libertador, e tudo que é libertador é maravilhoso, é puro por excelência. Assisto você arrebentar as amarras que inventou, digo que sim, claro, uma beleza, o arco-íris. Que sim, claro, vou parar de importuná-lo. Que sim, claro, eu sou triste e quero prendê-lo. Eu choro mas vou tirando os vestígios do corpo, tudo novo e lindo, branco. Tão bom. Você pergunta porque é que eu choro e onde é que eu tô, você não entende, não entenderia. Eu estou apaixonada, essa paixão pura por um cotidiano novo, uma vida inteira nova, uma eu nova. Um renascimento renascentista, vitorioso, lindo, incontestável. Se eu te segurei foi por medo, tão vulnerável eu aqui assistindo tudo escapar, os objetos fora da linha, o sol fora de foco, o mundo torto, você se entortando e voltando, atortoado. Foi medo. Não há medo mais, acho que é como quando a gente morre, aquele espasmo todo de medo, a aproximação até física de tudo, a gente se agarra, e depois mais nada, mais nada importa, só a sensação branca, só ir, só a libertação, essa libertação divina que Deus nos permite quando os olhos estão embaçados, os braços cansados, o corpo desligado. Quando já não deve ser mais. Quando a gente precisa tanto do sopro Dele que revive, que vem outro, novo. Uma paixão, você não imagina...os anúncios de margarina me atordoam, tão bonito tudo isso, choro inteira, feliz. Virgínia, você vai passar por todas as provas sem se queimar. E tudo o mais se queima, não sei nem o que estavam fazendo aqui, essas coisas que não me pertencem, nunca me pertenceram...esses pares de coisas que nunca me couberam, e agora parecem risíveis. As penas se arredondaram, os braços se alongaram, não há mais nada, é só paixão louca. É só desvencilhar, e vida, e luz.
Que alguma coisa a gente tem que amar, e quando não ama, não é. Essa libertação linda de amar e de repente não precisar. E se não precisar pra sempre? Não sei; só sei que agora, despreciso. Agora entendo tudo, solto, não é assim, pra que as amarras? Pra que segurar o mundo? Está tudo aí, sendo, eu quero mais é ser, ser meu próprio eu, meu próprio destino, meu próprio nome. Ser realidade, não ficção. Ser inteira e ser livre. Claro, respondo repetidamente, fique a vontade, esteja a vontade, somos todos tão livres, um espírito tão livre, porque preciso me responsabilizar? Somos isso que pudermos ser, sendo. Se não pudermos, não seremos. Sem cálculo, sem engolir o choro. Porque amor bom é assim, respondo claro mas é libertador, eu sinto, você que sinta, e pronto, vá sentir, não tenho nada com isso. Sentiremos no meio do caminho. E se não der, também direi que pena, e vou andando. Não sou a responsável por isso tudo. Não preciso segurar. Me solto na harmonia do mundo e pronto, seremos. Porque há as boas interferencias tambem, não há sempre? Pois bem. O mundo tem sua própria harmonia.
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