sábado, 21 de maio de 2011

- Por quê a gente fica catalogando artigo revogado?
- História, todo mundo é apegado demais a história. Lembrar sempre dos equivocos de antes pra não cometê-los de novo, mas na verdade só cometem de uma outra maneira, não faz diferença.
Não quero lembrar, Lorena. Tá doendo, porque porra as coisas voltam pra doer? Me dá vontade ir embora, sabe. Fugir. E se eu o tivesse matado, teria sido melhor? Se tivesse destroçado seu coração? Mas acaba que a gente vai junto, não é? E fica assim, prostituída, destruída. Isso eu não quero não, quero ir, quero ir e o coração fincado, doído, a gente arruma tanto dinheiro pra comprar renda, bolsa, viagem, mas o que precisava mesmo ninguém arruma: um coração novo. Eu fui pra Paris, minha flor, procurei conhecer muita gente diferente, arranjei muita coisa pra fazer, mas não tive coragem de sair desse campinho suave entre a paz e a indiferença, será que adiantou? Será que os ares de Paris não puderam fazer nada por mim? Por que eu olho hoje ainda e o coração ficou feio, arrebentado, me dá essa vodka que eu quero esquecer.

sábado, 14 de maio de 2011

O amor é redundante e a gente continua rodando dentro dele.

- Onde você vai?


Vou ali na esquina enterrar o meu coração, Lorena. Não me espere pra jantar, não abra o vinho porque hoje a noite eu não vou ficar. Talvez eu chegue às 4, bêbada. Talvez às 6, desvairada. Mas certamente sem o coração no peito. Despreveni. Deixei com ele e agora fico sem graça de pedir de volta. Vou continuar voltando pra casa sem o coração, até o dia em que ele não o quiser mais; neste caso, pego de volta. Atordoada ainda, com Caio martelando na cabeça, Caio entende; na cabeça não, na alma que nessa hora a gente não tem corpo mais. Viva e aberta, procurando o furo, como é que isso tinha acontecido? Fato é que desde já está acontecido, consumado, Lorena, meu coração ficou com ele e agora eu não sou ninguém e sou tudo, sou Deus, morta de medo e absolutamente destemida.

domingo, 8 de maio de 2011

"- Lião, Lião, ando tão apaixonada. Se M.N. não me telefonar, juro que me mato."


Lygia Fagundes Telles, As meninas.





É cedo ainda, como dizemos sempre que é cedo ou tarde. Cedo. Mas se você tirasse os olhos do entorno um pouco e parasse de me apresentar pra todo mundo, poderia ver que eu estou com medo, e que acho completamente ilegítimo um sujeitinho errado assim como você aparecer aqui querendo pôr pingos nos meus is. Acho mais ilegítimo ainda gostar de você dessa maneira que eu não entendo e que não acho termo. Deixo que diga-me o que fazer, que me mande embora quando quer, que me use um pouco. Sabe, eu cheguei aqui segura, minha. Não quero voltar desaguada, parcial. Se você não sabe é bom que saiba, mas não desde o início pra não estragar o gosto, que você pode ser mais velho sim, e ter fumado muito mais que eu e ter se perdido muitas outras vezes, mas eu já tive a minha quota e não, obrigada, não estou disposta a sofrer. Não assim, voluntariamente. Se você quer me destruir vai precisar de um pouco mais do que isso. E se quer me levar com você, vai precisar de muito mais do que umas doçuras. Já tive minha quota e minha alma tá livre e cansada desses joguinhos, entende? Se quer me levar, seja um bom menino, porque eu não tenho 18 anos mais e tenho alguns compromissos pra cumprir, não posso ficar esperando você querer ser bonzinho, preciso ir antes que fique pesado, antes que doa, porque meu coração é desgovernado assim mas também é velho, você viu quando médico disse que eu sou fraquinha, não posso ser submetida a grandes emoções. O mundo não perdoa os sensíveis, A. E o pior de tudo é saber que você vai sobreviver a mim, intacto, não importa o que eu faça. E isso não muda nada, mesmo, mas me angustia porque eu sei que você vai levar um pedaço do que é bom de mim. Hoje, amanhã, ano que vem. Deixar que você me leve um pedaço é doce, mas é perigoso, menino...e se sobrar muito pouco depois? E se você me esvazia de mim, sem saber, sem que eu permitisse? Te digo que estou com medo e fecho os olhos pra fingir que eu nunca fui partida, mentir que eu não choro por sua causa. Você me diz que não, que não, que é meu menino. Eu rezo para que todos tenhamos pena do meu coração, tão afetado pelo sopro, coitado.

sábado, 7 de maio de 2011

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Ele viria, sem cerimônia. A porta cerrada. O beijo desleixado, o café no fogo e o cachorro latindo sem parar, ele falava muito também. Se sentaria ali quietinha na mesa da cozinha, esperando, observando, rezando pra ele ser dela. Amando lentamente aquele homem bom, a quem ela queria tão bem. Ele não suspeitava. Ela diria bobagens açucaradas e coloridas, o coração inteiro bambo dentro dos dedos que ele segurava desligado. Teria que se distrair, baixar os olhos, prestar atenção no cachorro, porque os olhos da gente delatam demais e não era jeito. Ficaria ainda mais açucarada e maldosa quando ele lhe perguntasse do cara da semana passada, se perdendo devagar nos meneios dele, procurando. Depois de deixar o sentimento todo dentro do apartamento dele e o corpo dentro dos seus braços naquele abraço longo, igual, ela iria embora, sombra, deixada nos braços dele, não fui embora mas eu vou, você me pede, eu vou, mas fique sabendo que não é fácil andar assim toda ausente a semana inteira e deixar você me roubar tudo dessa maneira. Deixo, louca, alucinada, louca por você.

domingo, 1 de maio de 2011

- Vê, Roberto, ela tem outro, está estampado na cara dela!
- E o que é que você pode fazer?
- Nada não, que ela não me dá direito. Mas pra que é que tinha que ser doce assim, e pra que os olhos daquele tamanho, hein?
- Pra devorar você.