quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Meme

R.,
Pensei em milhões de coisas pra dizer. Milhões de dias, de formas, de tonalidades pra dizer, e acabei sentindo tudo tão vago pra essa dor que já é só minha, e que dói tanto por ser só minha...mas vai ficar tudo bem, hum?! Eu sei que vai.
Uma vez ouvi em um desses filmes que o amor acaba assim de repente, ao atravessar a rua, ao pousar a chícara. Seria romântico te apresentar um único movimento trágico; te digo que esse algo insensato foi se assentando no meu espírito assim sem aviso, se espreitando pelos cantos, contornando os tapetes, silencioso. Ouvi alguns silvos mas não levei a sério, e logo, logo que me dei conta ele já me olhava com os olhos amarelos de cobra, foi tão rápido que nem tive tempo de me assustar; no segundo seguinte eu já não era sua. Não sou mais sua, R., e meu coração ficou suspenso, inchado. Desde então o veneno vai percorrendo o sangue, vai e volta, no passo da pulsação. Eu olhava pra você como aquele amante glorioso de sol, agressivamente livre, quanta inveja, meu Pai. E se te quis de início por diversão, hoje te quero mais febrilmente que nunca. Espero que o castanho adocicado dos seus olhos não se dilua. Espero mas com esse ciúme feroz que me pede pra você. Eu sei que você não é perfeito, não éramos tão perfeitos assim, mas R., você era meu de todo o coração, inteiro. Vou sentir sua falta, ah, você não faz idéia. Peço que não conte pra eles as pequenas verdades dos nossos olhos, não reclame mais de mim, me deixa morrer como lembrança boa, e, por favor, não apareça mais por essas bandas.








Meme por indicação da Adrielly.

"Esta carta que escrevi faz parte de um meme proposto por Daniele Vieira. Foi proposto que os indicados fizessem uma carta como se rompesse com um certo alguém. A idéia da minha querida amiga escritora foi inspirada na exposição Cuide de Você, da francesa Sophie Calle, que convidou 104 mulheres para interpretarem um e-mail de seu ex-namorado que gostaria de romper o relacionamento de ambos."

Regras do meme:

1.: Escrever uma carta como se você estivesse rompendo com o seu (sua) namorado(a);
2.: Escrever estas regras e uma breve explicação do que é o meme (como a que fiz acima);
3.: Indicar cinco pessoas.

É pra vocês =] - Raíza, Jaya e Filipe, Carol, Ibê e Alado.



Tchau, blog. Foi muito bom conhecer vocês e as linhas, essas boas linhas.
Um beijo,
Insolente.


"Alice, estenda esta patinha e diga adeus a nossa irmã, assim...Adeus, Virgínia, adeus! Talvez te escreva, oh, sim, talvez... - cantarolou tomando a gata ao colo."
(Ciranda de Pedra, Lygia F.T.)

domingo, 16 de agosto de 2009

Eu tento lembrar que gosto tinha o dia dos dias mais ordinários. Eu esqueci que música você tocava pra mim. Jurava que nunca ia esquecer, mas esqueci. Peguei o dinheiro dos nossos projetos no banco mas não fui pra Grécia, (os recém-casados acabariam me matando antes que eu pudesse matá-los), então fui pra Las Vegas. Gastei rios em todos os cassinos. Eu quis ficar rica pra me embriagar todos os dias, pra jogar todos os dias, pra continuar triste e exagerada com meu batom vermelho, com os cabelos compridos e caros, os vestidos espalhafatosos, curtos. Eles olhavam pra mim mas passava tão rápido...eu tinha medo de como olhavam. Eles não queriam conversar, queriam strip poker, queriam dormir no meu quarto, queriam jogar com o meu dinheiro, beber a minha bebida. Eu dizia que não e eles logo iam embora com as asiáticas. Você ficou, ficou mil vezes me pedindo só pra que eu não me preocupasse e ficasse mais um pouco. Eu lembro quando eu ainda não vestia vermelho e não chamava tanta atenção, eu lembro de todos os romances que li e dediquei a você, eu lembro de todos os poemas que eu não escrevi pra você. Lembro do dia em que você me obrigou a escrever a última página...cintilava, preto demais: begging you please don´t go. E na verdade era a primeira página pra minha nova vida, pra minha memória cativa de você, Sofia sempre dizia que a história nunca acabava, vinha outra e vinha outra e outra, sem parar. Até que um dia...pára. A gente pára de respirar e tudo o que não disse fica sem dizer mesmo, nem os médiuns salvam. Eu nunca disse tudo, ficaria carregado, sabe?! Mas fiquei tão atordoada com a idéia que martelava na minha cabeça, não posso ficar sem você, não posso, eu vou morrer como o passarinho que bateu no vidro da varanda, morte de passarinho é a coisa mais triste do mundo. Implorei baixinho pra você ficar, não tenho nem coragem de imaginar com que força eu devo ter pedido. Você disse, não posso, Lygia, você sabe que eu não posso, não faça isso comigo! Eu morri ao ouvir meu nome seco e pesado demais, desabei no chão, tonta. Você se agachou, limpou as lágrimas, me deixou esconder o rosto no seu peito, tão inseparável do seu coração que pulsava alto, quente. Não tive coragem de abrir os olhos enquanto você se levantava. Ouvi a porta bater, e depois, mais nada. Nada, e nada, nada, indefinidamente. Um grito de bicho se formou na minha garganta, soou alto, sozinho e doloroso, ecoando no silêncio. Cravei as unhas no chão. Podia ter engolido uma bomba atômica e ninguém ia se importar. Nem eu me importava mais. Tive que me concentrar pra não respirar como um enfartado, pus a música que acalmava mas havia um gosto febril de você em tudo. Até na rua, andavam tão parecido, começavam a rir daquele jeito, aquele tem a mesma pinta debaixo do queixo...eu procurei tanto por você. Desisti. Desisti de ficar triste, de pensar, de querer sair, eu queria mesmo era virar uma planta e pronto, talvez uma árvore...uma macieira ou um pessegueiro, algo assim que chegasse a doer de tão bonito, como o solinho que você tocava que chegava a doer de tão bonito. Ganhei muita coisa em troca, é verdade...mas sabe o que incomoda? Eu nem tenho mais medo de assalto, de cobra, morcego, de nada, porque não tenho mais medo de morrer. E eu te pergunto, o que sobra de um espírito sem medo? Só desgoverno. Por isso eu grito, visto vermelho, mudo de país, vendo os nossos sonhos e compro qualquer outro. Perdi o rumo, amor.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Ainda que.

É, eu vi sim. Mudou de contato, mudou todos os amigos. Mudou os lugares. Mudou o cabelo, as roupas. Fiquei pensando praonde terá ido a sua paixão; se ela ficou, se se consumiu. Se você se lembra. De tudo o que nós dizíamos, de todas as vezes, lembra, hein? Pois não lembre. Estou bem sem você, só escrevo pra não mandar porque me disseram seu nome hoje, e eu já tinha praticamente esquecido que delicadeza continha esse seu nome curto e simples. Não faz mais muito efeito em mim, é fato; mas decerto me lembro de antes. Sim, antes. Quando seu nome me revirava as entranhas e me punha do avesso. Me fazia fugir, gritar, fazer qualquer coisa que não fosse você. Ou antes ainda, simplesmente lembrar e rir, ela?! Aquela maluca! Minha maluca que atravessava a sala como a gata, fingindo não ligar pra mim. Mas algo no jeito de andar denunciava. Ela me esperava, ela suspirava. E o mundo parecia tão fácil e o amor tão óbvio com você na minha varanda, andando descalça e teimando em pisar a terra e catar as amoras que eu te mandei parar de catar mil vezes. Não ouvia, ficava feito criança domingo. Ah, domingo! Porque domingo era nosso, nosso dia absoluto de namorados. Quatro da tarde e o tempo nos esperando ser felizes, eu deitado no seu colo deixando a mão no cabelo me embalar. Não sei porque, minha flor, o encanto se perdeu. Foi ficando difícil, foi ficando chato. Então devíamos ir embora. Minha garotinha apaixonada, entretanto, nunca queria o que devia. E mesmo que soubesse que devia não admitia, não queria – esperamos que aquele amor que atravessa tudo durasse para sempre, não? Pois ele não resistiu a nós mesmos, minha flor. Não resisitiu e fomos embora, amargo demais. Ficou ainda mais amargo sem você, quando passei para todo o resto – todo o resto tão interessante e tão passageiro, hein? Tanta coisa e tudo tão vazio. Perdôo todas as vezes que você gritou porque aquilo sobretudo era amor. Me perdoe por todas as vezes que te deixei me esperando. Como daquela vez que você escreveu, o vestido branco, pendurado no armário, sempre esperando. O lápis de olho desenhando bonito, mas você chorou e ficou só a borra preta debaixo dos seus olhos. Desculpe ter feito doer, amor. Não foi por mal. Não me acuse. Vi agora mesmo o seu olhar indignado, mas...! Xiu. E aí veio a razão, minha flor, você se cala. Ainda meio revoltada. Me oferece a expressão carrancuda, está com raivinha apesar de ter tanto motivo fica tudo pequenino, quando você joga. Rio porque você não vai agüentar, nem eu. Caímos na nossa própria peça, menina. Rio como quando eu amava você, rio por nada, por você, por tudo, não é mesmo engraçado?! Rio porque não tem graça. Mas não, não fique amarga, minha flor, amarga você fica pesada. Pega aquela rosa que eu te dei e nós plantamos no jardim, enchemos as unhas de terra mas não faz mal, terra é bom; pega a rosa e você vai entender, já já vai entender e ficar quietinha, e ficar em paz. Deita no sofá, fecha os olhos, deixa a claridade suspender o tempo, deixa aquele amor antigo se embrenhar suave na tua pele, te cobrir, te aninhar. Acalma o coração, não chora. Vai ficar tudo bem. E a gente já tá tão longe, e o amor?! Acabou. Mas não importa, não importa. Importa é que fazia sol, fazia um sol lindo de tarde, mesmo que a gente se aborrecesse. Fez sol. E eu sei que às vezes você ainda veste aquela camisa que você ia me dar mas não deu. Era uma promessa, seus dedos traçando os fios como se conhecessem o caminho. Ficou inacabada. Veste só às vezes, quando fica sozinha em casa e faz aquele frio insonso. A casa inteira vazia, vazia. Deixa eu te pedir, não veste não, menina. Só deixa a claridade bater no seu rosto, esquece o frio, esquece esquece esquece. Você fica tão bem quando está em paz; sabe, parece até que Chico toca mais suave quando eu te vejo assim. (Me deixa fingir, e rir...)

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Entrei no café, sentei numa mesa no fundo, uma sensação revigorante de que nada me via mais. A rua continuava lá fora, andando, andando sem parar com seus óculos, bolsas, seus pacotes coloridos. As pessoas falavam rápido no telefone. Irritavam-se pessoalmente em toda a parte, hoje não ouvi sequer um rindo até agora.
E então eu a vi. Ela destoava de tudo de uma forma inconveniente, mais na claridade da rua que nos fundos do café, com aquele sentimento pesado e escuro que contaminava tudo que suas mãos tocavam. E observava tudo com uns olhos...continuou comendo seu sanduíche sem interesse, o café esquecido na mão pousada perto da xícara. Segurava-o suavemente mas como um bote, "sabe, Tereza, eu vou lhe contar, são tempos horríveis..." dizia sem mover os lábios. Não precisava. Tudo nela dilacerava de dor. Desviei os olhos, mas continuei sentindo, sentindo de uma forma angustiante que me fez levantar e pagar o café as pressas, vá embora, repetiram as pernas em uníssono ao coração assustado.
Ela continuou sentada, observando. Os outros evitavam olhá-la...ela destoava inconvenientemente, com aquele tédio latente por tudo, e uma dor que gritava, que pedia ajuda, mas que se vestia de opaco pra não assustar demais. O moço do caixa teve raiva porque pensou que se rachassem sua cabeça ao meio ela continuaria com a mesma expressão morta. A garçonete teve pena e perguntou se ela queria um bolo, um doce qualquer, mas ela recusou baixinho, a voz arrastada. A jovem recém-casada que estava atrás dela pra pagar a conta podia apostar que era dor de amor, e a de meia-idade tinha certeza de que não era.