segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Peço pros românticos gritarem comigo, pra estamparem seus lindos casais na minha fuça com seu cheiro doce e suas florinhas, pra rasgarem meu peito, escrever a tinta até perfurar a carne e até a tinta se fundir no sangue, e as cartas de amor tem lá sua cor própria. Que me ensurdeçam com seu amor latente, brilhante, irrefutável. Porque no fim a gente tem sempre aquela esperança, pelo amordedeus, que o amor exista.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Segurei seus dedos entre os meus com um pouquinho mais de força, fingindo ser só distração, pensando não vá embora por favor por favor por favor. Dizem tantas coisas, dizem que não existe príncipe, que as mulheres tem que ser difíceis, mil fórmulas e nenhuma parece caber pra nós, fica, peço em silêncio. Lembrou do quadro da tia na sala, uma mulher envolta pela claridade azul berrante, crepúsculo. E ele ali, no escuro, azul também. Diz das suas estrelas, das suas histórias, fica, meu bem.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Eu não sei porque, menino. Não sei mas preciso dizer porque às vezes fica apertado aqui. Sinto que ficou tudo tão triste apesar de ter subido à idade do sol, da claridade ofuscante. Lembro de tudo muito fragmentado, lembro que doloroso, mas é que hoje eu bebo, marco encontros, fumo. Me entupo até o talo de qualquer coisa que seja muito forte, e ouço as mesmas músicas que me torcem o coração todo. As coisas por aqui são muito bonitas muitas vezes, também, mas me angustia não poder dividir isso com ninguém. Essa felicidade gritante que ninguém jamais tocou. Essa beleza que me desmaia, me consome como fogo, ensurdece, aguda, longa. Amor completo, transviante, que me faz ter, ser, e morrer por não ter. Doação completa. Coisas simples, menino. Eu já te disse que esse acorde me mata, hum? Todas as vezes. E ninguém jamais compartilha dessa eloquencia? Queria que você visse de cá esse amor enorme que eu tinha por você. Queria dá-lo assim, meu, parte do que eu vejo. Que sentisse tudo o que eu sinto aqui, tão alto, tão grande! Fumo pra calar o grito. Saio pra me adequar porque sozinha, quem vai saber. Perco as rédeas. Bebo todas as noites curtas que me oferecem, pra calar esse amor por tudo que me vaza, não sei o que fazer com ele. Esse amor, essa dor, esse tédio de tudo ir ficando assim morno, igual, cansado. Idade do sol. Parecem todos tão desorientados, tão sem brilho, meu pai. Eu queria a época em que as coisas eram, eram sempre, sob todos os pontos de vista. Quero ver igual. Mas será que um dia foram? A vida assim como convenience, deliciosamente previsível e correta. Eu acho que não precisa desritmar: é desespero.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Quarta feira sem cinzas

Voltou com os pés se arrastando, hesitando largar a avenida. Fechou a porta, tirou a camisa colorida. Sentou. Reboou o silêncio na rua. Dentro ainda tocava forte a bateria, batendo dentro do corpo. Lavou os olhos, lavou as mãos, os pés que tinham percorrido todas as ruas sujas. Água clara do carnaval. Ainda tinha confete na cabeça, cheiro de alcool, um sorriso largado na boca, meio sonso. Carnaval. A água descia translúcida como a mágica de voltar a vida ao normal na quarta de cinzas. Pronto, fantasia guardada, memória também, muita água, voltar pro trabalho. Mas o bom é carnaval. Absolutamente sem regras, só a bateria tocando forte nos braços, nos pés soltos, e o povo cantando, cantando, você vale ouro, todo o meu tesouro! E as meninas bonitas sambando, alegres, penas, chapéus, óculos, vamo descê, vamo descê! O samba descendo morro abaixo e o dia virando, virando sem parar e o povo na rua...ô, Carnaval!

Quarta feira sem cinzas

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

"- Não quero ir embora. Eu vou dormir aqui.
- Não pode, é perigoso.
- Perigoso por quê?
- Você só tem dezesseis anos.
- E isso é perigoso?
- Perigosíssimo."


[Caio Fernando Abreu.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Foi depois dela, Reinaldo. Olha, a Luiza me trancou do lado de fora do apartamento e ficou lá chorando, como se não fosse suficiente todos aqueles tipos de vingança que ela inventou. Depois que descobriu, quebrou o vaso preto chinês que a mãe tinha nos dado de presente de casamento, e disse que era tudo culpa dela. Pegou meu cartão de crédito e foi fazer umas coisas absurdas na rua, acho que até um spa pra pés, acupuntura, yoga. Essa foi a fase do ódio, não sei quantos meses eu vou pagar as prestações daquelas joalherias todas. Ela sumiu com o meu cachorro, Reinaldo, e jogou umas coisas pela janela, até um relógio muito antigo que eu tinha herdado do meu avô. O cachorro era tão bom, Reinaldo, não sei porque implicava tanto com ele. Rasgou minhas camisas porque disse que tinham cheiro de mulher. Ficou dias mergulhada na banheira chorando, e quando eu tentava conversar ela saía andando, dizendo não toque mais em mim. Como se eu fosse sujo. Depois ficou muito triste, com os olhos fundos, cansada, dizendo que fez de tudo pro nosso casamento dar certo, perguntando porque porque porque. A Cátia ligou lá pra casa e me chamou de muita coisa, falou até em suicídio, fazer uma coisa dessas com a pobre mulher! E desligou na minha cara. Mas você precisa saber, Reinaldo olha, eu fui fiel durante todos esses anos. Foi depois daquele dia...eu quis tanto aquela mulher, se deixar eu passo o resto da vida só procurando ela por aí, só pra saber que gosto tem. Ela veio e naquele dia fazia muito frio e nós ficamos muito próximos, à meia luz brilhava como uma fada, os olhos enormes, perversos e sonsos. O martini nos lábios reluzindo como um espelho, ela andava e ria daquele jeito, com o passo decidido mas meio insegura, tímida. Eu queria ela pra mim, Reinaldo. Mas quando viu a aliança larga e dourada no dedo pegou o martini e saiu andando, deixou o copo vazio e triste em cima do balcão com umas mãos que ficavam um pouco, só um pouco mais. E se foi. Nunca mais a vi em lugar nenhum, Reinaldo, veja você, esse lugar aqui é tão pequeno! Nem na rua, nem em outra cidade. Não a tive e depois dela precisei de todas as mulheres de cabelo escuro que bebiam martini, que riam sem graça, que tinham as unhas vermelho sangue e deixavam as mãos, e essas eu alcançava, ficavam lá até que eu as alcançasse. Sinto que jamais encontrei o gosto dela como certas coisas tem o gosto que parecem ter. O nome dela é Ana, Ana Beatriz, você não a viu por aí, Reinaldo? Podemos por anúncio no jornal, oferecer recompensa pra quem souber dela. Foi assim que eu vim parar aqui, meu amigo, naquela noite fazia uma semana que a Luiza tinha ido passar férias na casa da mãe, ameaçando se divorciar de mim e ficar com o meu carro. A Luiza sempre foi assim complicada e nenhum homem na Terra pode ter paciência pra isso, não é verdade?! Mas o diabo foi ter ficado sem luz lá em casa por causa da árvore que caiu nos fios com a chuva, e eu resolvi ir beber um conhaque naquele maldito lugar.