domingo, 6 de fevereiro de 2011

Carol, eu queria te dizer que eu tô triste como um gambá e só quero ficar aqui ouvindo essas músicas tristes como o diabo, mas eu já tô chorando e não sei bem dizer...acho que em algum passado remoto as coisas tinham mais gosto e agora ficou batido e eu fiquei desinteressada, entende? Eu já amei tanta coisa...eu já amei com tanto desespero...e agora eu quero ganhar dinheiro e gastar em viagens, em shoppings, ia voltar naquela loja amanhã e parcelar tudo porque eu posso ficar assim fodida mas é preciso estar bem vestida, hum? E maquiada para a ocasião. A ocasião é que eu tô me sentindo sozinha e fodida e perdida e eu queria um abraço daqueles que só o homem da nossa vida pode dar, eu quero ir embora pra casa, estou cansada dessa ventania, dessa música alta, eu quero sentir o cheiro de casa de novo e ser abraçada inteira...quero amar direito, porra. Sem essas graças, essas firulas, esses poréns. O tempo vai passando e a gente vai simplificando mais tudo porque fica com medo, não é? Mas eu olho hoje e vejo um monte de grãozinhos de nada, mas não era isso que eu queria, não foi pra isso que eu vim aqui! Sabe, quando eu deito peço pra esquecer e que faça sol no dia seguinte...um sol bonito e passe ele bem embaixo da minha janela com uma voz de quem ficou aqui o tempo todo e falou comigo ontem à noite, veja, pouco tempo mas eu tinha esquecido! Como fora esquecer? Sim...e lembrar que estava esperando que viesse me buscar pra me levar pra casa.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

E eu sinto sua falta de um maneira que não sei bem dizer, mas que me aflige. Me deixa viver, me deixa respirar sem dor, mas que incomoda.
Que vai e volta...como se lembrasse de repente que a tinham esquecido no lugar errado, que Deus estava ocupado e esquecera de tirá-la daquela ilha branca e descolorida...o mar batia como sempre nas beiradas, subia a areia devagar, se espalhando, uma claridade sonsa se embrenhava na casa, no assoalho, nas cortinas. Mas ela continuava alheia, fora de contexto. Como se acordasse às vezes. Como se um passarinho atordoado viesse bater-lhe o rosto de tempos em tempos. Surpresa antiga. Um susto repetido, várias vezes repetido...que deixava as coisas mais e mais fora de contexto, e até os tecidos mais imateriais. O corpo mais imaterial. Tinha raiva dos religiosos que a tinham iludido...Deus não sabe muito bem o que faz, às vezes. Deixa o mundo correr solto enquanto vai à rua, enquanto lava a roupa, enquanto estende o jantar pro marido. Como uma mãe descuidada. É bom, reconheço que é bom que possamos correr por aí, fazer o que bem entendermos, mas nos deixa com a mala leve demais no meio da estrada, um caminho pra lá e outro pra cá, e mil entre eles. Sabe, às vezes sinto que é humano como nós e por isso ficou tudo assim. Às vezes se perde, se cansa, se esquece. E como tudo que é imperfeito, nos comove.
Mas eu dizia...eu dizia que essa falta de você...me atormenta. E que eu acho que ficamos assim enquanto Deus se distraía, porque não pode ser certo, não pode estar nos planos dele. Se estivesse, eu não teria esse assobio ocasional no peito. Pássaro doente. Esquecida no meio do ar, no meio do nada...branco. Branco e sem paz.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

- Você não acha que ele está aqui por causa do nome, hein, Lô? Lenin saiu do país e hoje trabalha em cruzeiros na América do Sul. Quem diria.
- Mas ele é de Honduras, querida. E estamos no séc XX.
- Um nome desses sempre traz problemas, você não acha?
- Deve ser. Será que ele não traz o cartão logo? Vou enlouquecer como a Matilde se não acabarem logo com isso.
- Onde raios fica Honduras? Minha professora de geografia era míope e vivia ensinando a Itália na Grécia, uma loucura. Fiquei semi analfabeta em geografia...E eu cabulava aula com a Francesca, lembra dela? Aquela com focinho de porco. Dizem que ela foi pra Europa ano passado e voltou falando da sua árvore genealógica francesa, uma perua. Com menos cartão de crédito ela era mais boazinha...mas serviu para o nariz de porco, hein?
- Meu Deus, como você é ruim.
Mas estava desinteressada, longe. Tinha começado um tango barulhento, hora do show, e o casal dançava com beleza mas também com espalhafato, assim como ela. E pensou que aquilo, aquilo sim era paixão. Aquilo que ligava os olhos deles e fazia a Lorena rodar o dedo triste na taça barata e larga, martini. E perder o rebolado. Aquilo que descabelava as argentinas e coloria os pêlos dos chicos. Paixão, sim, podia destruir tudo, de uma vez só, derrubar tudo. Mas podia mudar também, e criar. Podia criar. Talvez por isso a Antônia tivesse medo desses vermelhos vivos e insistisse nos tons terra, toda ela muito natural, só a boca com o batom muito claro e barato, toda num tom só, só a boca, muito discreta, pra pronunciar aquele alemão ríspido que dizia pra si mesma quando se zangava. Nos vestia de amarelo pálido, verde sem forma. Depois da adolescência é que a Lô ficou espalhafatosa e apaixonada assim. Desaprovaria...sairia raivosa naquele passo pesado e sincopado mas fecharia a porta com perfeição. Os alemães. Mas ela gostava muito que estivesse tudo no lugar, a governanta, devia ter medo dessas coisas, paixão, vermelho, amarelo, tudo, e nos batia a vara na mão quando nos distraíamos da tarefa...e quando encontrava nossos cadernos cheios de coraçãozinho. Não pode pensar nisso, entendeu? Porque não, Antônia? Porquê? O pai disse pra chamá-la de Antônia, ela foi embora e eu não descobri como raios ela se chamava. Devia ser uma espécie de piada infame pra ele, alemã até o último fio e com um nome brasileiro assim...Filha de imigrantes. Solteirona. Tinha olhos de quem sofria como o diabo e de quem respeitava quem tinha dinheiro, mas não gostava, não gostava nada daquilo.
- O nome dela nem era Antônia, hein, Lô? Mas ficou.
- De quem?
- Da governanta.
- Sim, da governanta, eu querendo conversar sobre o Afonso, aquele desgraçado, e você pensando em governanta.
- Não precisa ficar assim nervosa, ele vai voltar. Ele e aquelas camisas bem cortadas que você fica o dia inteiro alisando.
- Não sei, não sei ... - disse ela batendo nervosamente a cinza do cigarro na beirada do cinzeiro. Ela, no entanto, vestia uns verdes profundos, azul...e gostava desses olhos dramáticos sempre mais dramáticos, e os gestos dramáticos. Parecia um animal, você não tem vergonha não? Vista-se, menina! Cubra esses joelhos! Uma apaixonada. Uma perdida, desesperada. O amor é mesmo uma desgraça, hum? Estraçalha. Soltou os cabelos dela. Soltou a cor dos seus olhos. Ela parece ter sido pega no pulo pela jaula. Petrificada. À mercê. Devo acrescentar que a vejo assim mas devo estar da mesma forma deplorável, ando barulhenta, larga, como se tivessem se juntado mais braços aos meus, e outro corpo, e uma segunda voz, e tudo o mesmo. Tudo eu ainda, feroz, grande, e terrivelmente separado. Queria que a moça do bar entendesse e cantasse assim suave, besame, besame mucho...mas ela ia insistir no barulho e nas luzes, não adianta. Como se fosse a última vez...Não seria? Talvez ele esquecesse de ir embora hoje. Talvez tivesse a delicadeza de encontrá-la por aí.
- Eu mato ele, Manu.
- Mata nada, ele ama você. Apesar de eu não saber como ele suporta essas suas manias.
- Não sei o que é isso aí que você chama de amor...eu já achei tanto bilhetinho de vagabunda na carteira, tanto número engraçado nos bolsos da calça...
- Cada um tem o amor que pode ter, Lô. Agora que seu amante te quer você já não o quer mais, e está apaixonada pelo seu marido...não é uma coisa que faça sentido, mas é possível.
- Ah, Manu, e você, e você, hein?
Eu? Logo eu? Se ele viesse, eu me esconderia embaixo da mesa. A Margarida sempre diz, essa língua afiada como uma cobra, sempre escondida. Esses olhos de bicho assustado e essa língua que deus lhe deu...Deus não dá asa a cobra mas também não sabe o que faz.
- Não sei. Acredito mais na meteorologia do que no amor, sabe.
- Não sei como você vive.
- Não é tão difícil quanto parece.
Tinha ainda o gosto dele na boca. Gostava também daquele cheiro dele nela, mulher dele. Mas logo passaria...e ele também ia sumir, sem vestígio. Como um delírio. O gosto dele na boca. Sorria. Sorria e brincava com a vodka, saboreando. Saboreava os olhos dele enfiados nela, os dedos dentro da pele...sorria, patética. Me leve embora daqui, Lô, antes que não haja mais esperança pra mim. Antes que eu fique perdida e vermelha e quente como a moça do tango, e eu não quero, não quero, vou me perder! Vou ficar assim como você, partida. Ele não vai comigo, Lô, tampouco vai me ligar. Vamos embora antes que eles cheguem no gran finale, pode ser fatal, fatal! E sem saber bem porquê, deixou os dólares na mesa e saiu, fugida, antes que ele viesse. Sobretudo, antes que ele não viesse.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A letra dela povoava, espalhafatosa. Quando tinha ficado violenta assim, meu Pai? Quando? Quando foi que o f ficou agigantado, enorme, partido? O rosto cansado, enfiado, caí aqui, Letícia, você tem um grampeador aí? Toda vinda de outro lugar, a Talita ficaria horrorizada se te visse assim, toda dessa cor insólita e fora daqui, mexa-se, anda, mexa-se! Nós vamos sair, dar um jeito nesse cabelo e pense em quem vai levar pra festa da Daiana, é semana que vem, e a fantasia? Ah, não sei, meu bem...e rir aquele riso frouxo, de graça. Hoje vai ter macarrão e vinho, tá?! Daqui a pouco no jantar. Ela sorriu de leve, não entende nada, o que é que vai ser dessa menina, hein, meu pai? Fechou a porta com cuidado mas de qualquer lugar da casa se ouve ela andando pra lá e pra cá recitando seus poemas técnicos, quando foi que ficou assim violenta? Os ps se espalhando por todo o lado, agressivos. Acho que a gente tem ficado muito envolvida, mas é sempre assim, não é?! E pára de prestar atenção, a Lô com esse coração pesado, o corpo gritando, estou com medo estou com medo estou com medo! Será que você não quer um coração novo, hein, menina? Que é que vai fazer com tanto pregador e folha e esse silêncio dos infernos, hum? E os olhos no espelho, sempre perguntando...como é que eu vim parar aqui? O que foi que aconteceu que eu mal vi, como foi que ficou tudo assim?

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

- Diz pra ela que eu não tenho praonde ir, Diego. E abria um sol assim por dentro dos olhos dela, essa cidade é grande demais, menina, eles se perdem mas agora que encontrei você não me perco mais, meu ponto pacífico, meu pacífico azul. Você devia passar mais tempo comigo, me deixar te levar pra Paraty, pras ilhas, comprar um barco pra pôr seu nome, me deixa te levar pra mim. - Você não se cansa dessa vida sem amor, Larissa? - Não. - ela respondeu sem dó, como uma chicotada, sorriu e empilhou os processos com cuidado. A Talita acreditava demais no amor, chegava a irritar...tinha vontade sacudi-la e lhe dar uns tabefes com a verdade, mas ela era evangélica, evangélica e com 20 anos mas tola, tola até onde Deus permitiu que ela fosse. Os 20 anos devem tê-la feito rodar em círculos, uma clareira qualquer na floresta ao estilo branca de neve com os passarinhos. Enquanto isso, ela tinha tomado tanto caminho que se partia, e esse desamor que mata a gente, Pai. Mas amor mata também, já não tivera sua cota, hum? Eu quero paz. Paz e mais daqueles caras da semana passada, menos curso, mais liberdade. Eu quero mais. Quero ir até o fim. Se pelo menos ele ligasse...então, então talvez ele dissesse, agora que encontrei você não me perco mais, meu ponto pacífico, meu pacífico sul. Mas ah, no séc XXI não tinha roda de samba e os homens não pedem em casamento, quem come o pão que o diabo amassou são as moças, os vestidos cada vez mais curtos, as manobras cada vez mais ousadas, e cada vez mais tristes. Só a borboletinha aí encontrou o amor da sua vida na igreja e eu tenho que aguentar estas perguntas nada cristãs, suas observações inocentes e fervorosas, ela quer me queimar na fogueira. Se for pra falar de amor, pode me chamar de herege que eu não ligo. Pode me queimar. Ela diz que gosta da música do rádio e que sente saudade do namorado (mas ele não veio na segunda?). Eu sorrio, embaçada, ajeito a gravata e reviro as capas alaranjadas, pensando que desde que o mundo é mundo o amor só nos trouxe casamentos insensatos e dor. Os nobres, os nobres estiveram certos todo o tempo, sentados dentro do seu ócio, olhando o amor roer o mundo e levar as suas filhas pro fundo do poço. Mas ela não, a Talita não iria porque o amor dela precisa ser segundo as leis de Deus e a benção de seus pais. E amor, amor pra ela se resume aos coraçõezinhos nas bordas dos cadernos.